Depois de quase dez anos sem atualizar ou incluir novas diretrizes à fabricação de medicamentos no Brasil, a ANVISA divulgou em agosto do ano passado, a RDC 301/2019. Que veio para substituir a até então resolução vigente RDC 17/10.
Na prática, a RDC 301 vem para modernizar o regulamento de BPF, também conhecido como Boas Práticas de Fabricação. Que nada mais é do que a principal norma reguladora para controle de qualidade dos medicamentos produzidos no Brasil.
Ou seja, por meio dessa norma, os fabricantes são obrigados a garantir padrões aos consumidores. Ou seja, é necessário que cada lote de um determinado remédio contenha os mesmos padrões de qualidade, segurança e eficácia.
Junto com a nova medida, o órgão regulatório também aprovou a atualização de 14 Instruções Normativas. Na prática, elas permitirão à população o acesso seguro a medicamentos. Além do aprimoramento do marco regulatório vigente, aproximando-o dos padrões internacionais tidos como referência na área da saúde.
Estas não foram as únicas medidas adotadas pela ANVISA com objetivo de melhorar as boas práticas em relação à política de medicamentos.
Vale lembrar que, na segunda quinzena de setembro de 2019, o órgão regulatório já havia divulgado uma nova resolução. Dessa vez mais voltada especificamente para diretrizes no armazenamento, transporte e distribuição de remédios.
O que mudou com a RDC 301?
A chegada da agora atual resolução, a RDC 301, vem para tornar o Brasil mais competitivo entre os maiores mercados farmacêuticos do mundo.
Isso porque, até então, nosso marco regulatório usava como referência uma guia da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2003. O que contribuía para nos colocar atrás de outros países em termos de modernização regulatória.
As novas regras possibilitarão não só aumentar a qualidade dos medicamentos fabricados no país. Também nos tornará elegível para se filiar ao Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (conhecido por sua sigla, em inglês, como PICs).
O PICs é considerado o fórum mais relevante no estabelecimento de guias e treinamentos em inspeção farmacêutica a nível global.
Esse marco é tão importante que a ANVISA. Uma vez que concluir seu processo de atualização do marco regulatório da BPF e consequente adesão ao PICs, terá como principais vantagens:
- Facilidades para exportação de medicamentos brasileiros para alguns países (atualmente, o PICs conta com 47 nações como membros);
- Oportunidades de treinamentos e capacitações das empresas brasileiras seguindo o que há de mais moderno no mercado farmacêutico. Respeitando os padrões de órgãos regulatórios internacionais;
- Contará com estrutura de Redes de Contatos entre inspetores, além de acesso aos guias mais atualizados de boas práticas no segmento.
E quais as novidades das Boas Práticas de Fabricação?
Além disso, outras mudanças chegaram com a RDC 301. Como a inclusão de um ciclo de vida para todos os aspectos da BPF, implantação de auditorias nas fabricantes e fornecedores para garantir a qualidade dos medicamentos. Além da automação de alguns processos como o de embalagem, entre outras.
Porém, a novidade que, de fato, exigirá dos produtores de medicamentos uma atenção especial. Havendo portanto à obrigatoriedade dos estudos de validação de limpeza durante o processo de fabricação dos medicamentos. O que tornará mais rigoroso o controle de qualidade e, principalmente, a segurança dos fabricantes envolvidos no processo. Vamos falar mais sobre esse assunto a seguir.
Entendendo melhor o PDE e ADE
Durante a fabricação de determinados medicamentos, os trabalhadores precisam manipular algumas substâncias. E dependendo do seu grau de toxicidade, podem representar um risco a longo a prazo. Fazendo com que o indivíduo desenvolva doenças decorrentes do período em que passou exposto aos produtos.
Além disso, existe outra situação que precisa ser mapeada. Eventualmente, alguns equipamentos usados na produção de um medicamento, caso sejam utilizados para uma leva de outro produto, precisam estar corretamente higienizados. Buscando não contaminar o novo lote com restos residuais.
É levando em conta todo esse cenário que órgãos regulatórios como o FDA (órgão regulatório do mercado farmacêutico dos EUA) e o EMA (agência europeia de medicamentos) exigem que os fabricantes de remédios meçam o PDE (sigla para Exposição Diária Permitida) e o ADE (Exposição Diária Aceitável), que são cálculos realizados para:
- Avaliar o grau de limites residuais presentes de substâncias ativas e que representam risco de contaminar os medicamentos (mais conhecido como Validação de Limpeza);
- Monitorar o grau de exposição que um indivíduo pode ficar a determinadas substâncias sem que isso possa comprometer a sua saúde mais conhecido como Avaliação de Toxicidade).
As diferenças técnicas entre o PDE e ADE estão, basicamente, na forma que são calculados. Enquanto o primeiro cálculo se concentra em mensurar os níveis toxicológicos das substâncias que estão presentes em um medicamento. O segundo cálculo é utilizado ainda para mensurar a farmacocinética do remédio, ou seja, mapear todos os efeitos que um medicamento pode apresentar em nosso organismo quando ele é absorvido.
Os impactos da RDC 301/2019 na PDE e ADE
A partir da aprovação da RDC 301/2019, ficou obrigatório que os fabricantes brasileiros realizem estes cálculos. Principalmente o de PDE, para mensurar a validação de limpeza dos medicamentos durante a sua produção.
As empresas que já estejam em conformidade com as novas diretrizes da RDC 301, o desafio será outro. Estas deverão comparar os atuais resultados obtidos com os novos cálculos para chegar a um histórico desses valores. Afim de confirmar se o valor mínimo de validação está correto.
Caso se identifique, durante a análise, que o número tido como referência está aquém do desejado, será necessário refazer os cálculos e rever todo o processo para estar em conformidade com os padrões estipulados.
Em outras palavras: as empresas precisarão se adaptar, pois agora a régua do controle de qualidade subiu. Quem não implantava corretamente este controle de qualidade, necessitará reestruturar a operação para atender às novas diretrizes da RDC 301.
Mesmo para quem já o adotava, precisa ter certeza de que os padrões obtidos nos cálculos de PDE e ADE estão atualizados. Ou terão de refazer o trabalho.
Apesar de ser um cenário mais desafiador para os fabricantes no Brasil, para a área da saúde se trata de um ganho significativo. Pois demonstra que o país está comprometido com maior qualidade dos produtos fabricados. Buscando um patamar semelhante ao de grandes produtores mundiais.
É um passo significativo para projetar o Brasil para, quem sabe, estar entre os principais nomes do mercado farmacêutico. E a sua instituição, já está em conformidade com a RDC 301?