O Brasil conta atualmente com 32 hemocentros, além de outros 500 serviços de hemoterapia — onde também são feitas coletas e uso do sangue e seus hemocomponentes. Esses locais são os responsáveis em receber e armazenar o sangue coletado, e que é usado em casos de anemias crônicas, acidentes que causam hemorragias, complicações decorrentes da dengue, febre amarela, tratamento de câncer e outras doenças graves.
Hoje, 16 a cada mil habitantes são doadores de sangue, no país. O percentual corresponde a 1,6% da população brasileira e está dentro dos parâmetros preconizados pela Organização Mundial da Saúde. Que recomenda que 1% a 3% da população de cada país seja doadora. Também no Brasil, ao ano, cerca de 3,5 milhões de pessoas realizam transfusões de sangue.
Ou seja, o consumo de sangue é diário e contínuo. Porém, para que esse líquido tão importante à manutenção da vida humana realmente salve vidas, é necessário seguir regras rígidas de coleta, armazenamento e transporte. Qualquer falha nesse processo pode ser até mesmo fatal.
Regulamentos e legislações de hemocentros
No Brasil, são diversas as leis, normas técnicas e resoluções que tratam do tema. Essas visam com que as boas práticas sejam adotadas e seguindo padrões internacionais de qualidade. Entre elas, estão:
RDC 34/2014
A RDC 34/2014, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), dispõe sobre as Boas Práticas no Ciclo do Sangue. A resolução, conforme determina em seu Artigo 2°, visa estabelecer os requisitos de boas práticas a serem cumpridas pelos serviços de hemoterapia. Que desenvolvam atividades relacionadas ao ciclo produtivo do sangue e seus hemocomponentes, e serviços de saúde que realizem procedimentos transfusionais.
Ela tem como objetivo garantir a qualidade dos processos e produtos, a redução dos riscos sanitários e a segurança transfusional.
A resolução ainda determina que todo serviço de hemoterapia deve solicitar licença sanitária inicial para o desenvolvimento de quaisquer atividades do ciclo do sangue. Bem como sua renovação anual, de acordo com os requisitos definidos pelo órgão de vigilância sanitária local competente.
Além disso, os serviços de hemoterapia deve estar sob responsabilidade técnica de profissional médico, especialista em hemoterapia ou hematologia. Ou qualificado por órgão competente devidamente reconhecido para este fim pelo Sistema Estadual de Sangue. Que responderá pelas atividades executadas pelo serviço.
Quem presta serviços de hemoterapia deve possuir ainda, nos respectivos setores do ciclo do sangue, designação de supervisão técnica de acordo com a habilitação e registro profissional no respectivo conselho de classe. A RDC 34/2014 estabelece ainda mecanismos que garantam a supervisão das atividades durante todo o período de funcionamento do setor.
A resolução ainda determina que o serviço de hemoterapia deve garantir o correto armazenamento dos materiais, insumos e reagentes, de forma a assegurar a manutenção da integridade. Tudo deve seguir as instruções das Boas Práticas de Armazenamento e com a legislação pertinente.
A RDC 34/2014 aborda, de modo geral, todas as responsabilidades dos hemocentros no tratamento do sangue e hemocomponentes, e ainda determina quais os critérios que devem ser considerados na seleção dos doadores de sangue.
Portaria 158/2016
Já a Portaria 158/2016 redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Ela tem como objetivo regulamentar a atividade hemoterápica no país, de acordo com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Sangue, Componentes e Derivados.
Sua abrangência se refere à captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados, originados do sangue humano venoso e arterial, para diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças.
A portaria também estabelece as regras para conservação de sangue e hemocomponentes. Ela determina, por exemplo, que as câmaras de conservação em que se armazenam o sangue, os componentes sanguíneos e os hemoderivados serão apropriadas para esta finalidade e de uso exclusivo.
Para maior controle da temperatura, as câmaras de conservação deverão ter um sistema de ventilação para circulação de ar e temperatura uniformemente distribuída em todos os compartimentos.
A portaria ainda recomenda que as câmaras de conservação para concentrado de hemácias, plaquetas e plasma possuam registrador gráfico contínuo de temperatura.
RDC 370/2014
A RDC 370/2014, também da Anvisa, dispõe sobre regulamento técnico-sanitário para o transporte de sangue e componentes. Essa tem por objetivo definir e estabelecer requisitos em suas diferentes modalidades e formas, para garantir a segurança, minimizar os riscos sanitários e preservar a integridade do material.
De acordo com a resolução, o transporte de sangue e componentes deverá ser realizado por serviços de hemoterapia ou serviços de saúde licenciados pela autoridade de vigilância sanitária competente. Podendo ser realizado de forma terceirizada, obedecendo às especificações de cada material biológico a ser transportado com os respectivos critérios definidos e documentadas no contrato, convênio ou termo de responsabilidade.
A RDC 370/2014 também trata, a partir do artigo 27, sobre as condições da temperatura durante o transporte, portanto devem ser obedecidas para garantir a qualidade total do sangue e hemocomponentes.
De acordo ainda com a resolução, a temperatura de conservação será registrada durante o processo de transporte, sendo monitorada por mecanismos que possibilitem a verificação de seus valores fora do limite estabelecido.
O armazenamento e transporte do sangue e seus hemocomponentes
A cadeia do frio no sangue é o sistema para armazenar e transportar hemoderivados e hemocomponentes. Para que sejam mantidos sempre à temperatura correta. Desde a coleta do doador até a administração ao paciente. Qualquer quebra nessa cadeia do frio aumenta os perigos para os receptores do sangue.
Geladeiras para bancos de sangue, congeladores de plasma, agitadores de plaquetas, incubadoras, caixas de transporte são os equipamentos utilizados para armazenamento do sangue e seus hemocomponentes.
A forma de armazenamento e transporte de cada um deve ser feito da seguinte maneira:
Sangue e glóbulos vermelhos
Os glóbulos vermelhos e o sangue total sempre devem ser armazenados a uma temperatura entre +2° C e +6° C, em uma geladeira de banco de sangue. Os refrigeradores do banco de sangue possuem dispositivos de alarme e monitoramento de temperatura integrados. E um ventilador de refrigeração para garantir a distribuição uniforme do ar frio através do equipamento.
A manutenção da temperatura durante o armazenamento é essencial para manter a capacidade de transporte de oxigênio do sangue e seus hemocomponentes. Evitar temperaturas acima de 6° C é vital para minimizar o crescimento de qualquer contaminação bacteriana na unidade de sangue.
Abaixo de 2° C, os glóbulos vermelhos são hemolisados. Portanto, eles nunca devem congelar. As células hemolisadas, se transfundidas, podem causar insuficiência renal e problemas de sangramento no paciente que podem levá-lo à morte.
Dependendo do tipo de bolsa de sangue utilizada, o prazo de validade varia de 35 a 42 dias junto aos hemocentros. O sangue total e os glóbulos vermelhos devem ser transportados em caixas de transporte. Que deverão manter a temperatura abaixo de 10° C se a temperatura ambiente for maior que 25° C. Ou se houver a possibilidade de o sangue não ser transfundido em 30 minutos.
Plasma congelado fresco
O plasma congelado fresco (plasma separado de uma unidade de sangue dentro de 6-8 horas após a doação e congelado rapidamente) é armazenado no hemocentro a – 40°C ou menos. Ele possui prazo de validade de um ano. Se não forem armazenados a esta temperatura, os fatores de coagulação como fator VIII e fator V deterioram-se. E a quantidade é bastante reduzida, prejudicando assim a finalidade para a qual ele deve ser administrado.
O plasma precisa ser descongelado antes da transfusão em um banho de descongelamento de plasma a 30° C, que leva cerca de 30 a 45 minutos, e ser transportado em uma caixa de transporte na qual a temperatura é mantida entre 2° C a 6° C. Depois de descongelado, o plasma deve ser administrado em 30 minutos.
Se não for necessário para uso imediato, ele pode ser mantido entre 2° C e 6° C e transfundido em 24 horas. Depois de descongelado, o plasma não pode ser recongelado e deve ser descartado. Portanto, esse hemocomponente deve ser exigido apenas quando essencial e nas quantidades necessárias.
Crioprecipitado
O crioprecipitado é a porção insolúvel em frio do plasma remanescente após o descongelamento do plasma congelado fresco e contém o fator VIII, fator de Von Willebrand, fator XIII e fibrinogênio. Para a preparação do plasma de crioprecipitado é separado de uma unidade de sangue dentro de 6-8 horas após a doação e congelado rapidamente em 30 minutos.
O plasma é descongelado lentamente abaixo de 4° C para obter o rendimento máximo de crioprecipitado. Finalmente, ele é armazenado no hemocentro a – 40° C ou mais frio, e tem um prazo de validade de um ano. O crioprecipitado precisa ser descongelado de 30° C a 37° C em banho-maria por cerca de 15 a 30 minutos. Depois de descongelado, o crioprecipitado deve ser transfundido em 30 minutos.
Após o descongelamento, o crioprecipitado deve ser mantido entre 2° C e 4° C e pode ser transfundido dentro de 4 horas. Ele também não pode ser recongelado — se não for transfundido, deve ser descartado.
Plaquetas
As plaquetas são preparadas por métodos manuais e automatizados e, em seguida, armazenadas a 22° C na incubadora com agitador de plaquetas para manter a função plaquetária. Isso previne sangramentos espontâneos ou o interrompe nos pacientes com trombocitopenia ou anemia hipoplásica estabelecida ou medula óssea fracasso.
O sangue total para separação das plaquetas deve ser mantido entre 20° e 24° C antes do processamento, pois as temperaturas mais baixas afetam a função plaquetária e sua separação.
As plaquetas devem ser preparadas dentro de 8 horas da flebotomia com agitação contínua. Isso impede a agregação que pode resultar em perda de viabilidade. As plaquetas têm uma vida útil de 3 a 5 dias, dependendo do tipo de bolsa de sangue usada.
Controle inteligente da temperatura
Como é possível observar, todo o processo de coleta, armazenamento e transporte do sangue e seus hemocomponentes requer cuidados especiais. Mantendo sempre rígido controle da temperatura para preservar suas propriedades. Para isso, devem ser submetidos à cadeia do frio. Que consiste numa condição específica em ambiente refrigerado, para manter uma duração prolongada por meio da conservação por resfriamento.
Entre as ferramentas tecnológicas consideradas como grandes aliadas da cadeia do frio, está o monitoramento de temperatura sem fio desenvolvido pela Nexxto. Este permite monitorar a temperatura e umidade em tempo real, em todas as etapas do processo.
Nossa solução, que conta com monitoramento online, traz portanto inúmeras vantagens à sua instituição. Seja em relação à redução das perdas por falhas no monitoramento, quanto pela garantia de eficácia. Refletindo diretamente na segurança e saúde dos pacientes.
Atribuições e competências do farmacêutico
Como é possível observar, em todas as legislações citadas anteriormente, a necessidade de pessoal especializado na área é uma premissa para o cumprimento dos regulamentos e leis que regem as boas práticas em relação à coleta, armazenamento e transporte do sangue e hemocomponentes.
Já a Resolução 673/2019, do Conselho Federal de Farmácia, dispõe exclusivamente sobre as atribuições e competências do farmacêutico em serviços de hemoterapia e/ou bancos de sangue. De acordo com a resolução, cabe ao farmacêutico legalmente habilitado e registrado no Conselho Regional de Farmácia uma série de atribuições e responsabilidades a fim de garantir a qualidade total ao longo de todo o processo.
É papel do farmacêutico, por exemplo, coordenar e assessorar a pré-qualificação de fornecedores de bens ou marcas de todos os equipamentos e insumos a serem utilizados pelo serviço de hemoterapia e/ou banco de sangue. Isso visa assegurar que reúnam condições de habilitação e que atendam às exigências técnicas e de qualidade.
Todas as atribuições descritas em regulamentos e legislações visam garantir ao máximo a qualidade durante todo o processo do ciclo do sangue, desde a coleta até a transfusão. E como é possível observar, o controle da temperatura é um dos pontos-chave em todo o processo de conservação em um hemocentro.