Publicado em 27 julho 2021 | Atualizado em 27 julho 2021

Os medicamentos ocupam papel central no cuidado à saúde, tendo finalidade profilática, curativa, paliativa ou diagnóstica. Por outro lado, erros de medicação podem causar danos, especialmente quando envolvem medicamentos de alta vigilância, mais conhecidos pela sigla MAV.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o custo global aproximado dos erros de medicação é de US $42 bilhões por ano. Adicionalmente, o uso inadequado de MAV pode trazer graves prejuízos à saúde, incluindo mortes.

Acrescente-se ainda que, boa parte desses equívocos estão associados a sistemas de saúde deficientes e falhas humanas. Estes fatores, por sua vez, interferem na qualidade da prescrição, dispensação, administração e monitoramento de medicamentos.

Por outro lado, os erros de medicação são passíveis de prevenção. Nesse sentido, a OMS definiu três áreas prioritárias para promoção do medicamento sem danos: a polifarmácia, a transição de cuidados e as situações de alto risco.

O uso concomitante de vários medicamentos é denominado de polifarmácia e aumenta a probabilidade de ocorrência de eventos adversos. Reavaliar a terapia e limitar o número de medicamentos ao estritamente necessário pode minimizar riscos e potencializar benefícios do tratamento.

Transições de cuidados por sua vez, podem levar à discrepância de medicamentos e interrupção de terapias essenciais. Tais erros de medicação podem ser evitados aprimorando-se a comunicação entre os profissionais e destes com os pacientes.

Finalmente, situações de alto risco exigem atenção redobrada, pois são aquelas que resultam em maiores prejuízos, quando erros acontecem. Dentre elas, estão fatores relacionados ao sistema de medicação, aos profissionais/pacientes e os medicamentos de alta vigilância, objeto desta matéria.

Erros de medicação podem e devem ser evitados

Os benefícios associados à complexa combinação de processos, tecnologias e interações humanas que constituem o cuidado à saúde na atualidade são incontestáveis. Entretanto, o cuidado também está inevitavelmente associado a riscos que, frequentemente, podem resultar em danos aos pacientes.

Desde a publicação do relatório “Errar é humano”, no ano 2000, as organizações têm buscado formas de evitar erros no cuidado à saúde. Nesse contexto, a prevenção de erros de medicação ocupa papel central na segurança do paciente.

Para isso, é preciso rever os sistemas de saúde, tornando mais fácil realizar a prática correta do que cometer erros de medicação. A prevenção de eventos adversos abrange ações em todas as etapas da cadeia de utilização de medicamentos:

  • Embalagem
  • Identificação
  • Armazenamento
  • Prescrição
  • Dispensação
  • Preparação
  • Administração

Vale destacar, ainda, que essa cadeia envolve a participação de diversos profissionais da saúde, tais como médicos, enfermeiros e farmacêuticos. Assim, a garantia da segurança do paciente na utilização de medicamentos depende de ações multidisciplinares.

Os MAV representam fármacos com maior risco de provocar danos graves, quando utilizados de forma equivocada. Embora erros com esses produtos não sejam necessariamente mais comuns do que com outros medicamentos, tais eventos são certamente mais prejudiciais, merecendo, portanto, prioridade.

Desta forma, conhecer os medicamentos de alta vigilância – também denominados de medicamentos potencialmente perigosos – é um importante passo para que erros de medicação particularmente graves sejam evitados.

Quais são os medicamentos de alta vigilância?

A lista de medicamentos de alta vigilância pode variar de uma organização para outra. Tais diferenças decorrem de preferências por certos fármacos, ou por conta de diferenças na assistência à saúde ou, ainda, em função do perfil de pacientes atendidos.

De qualquer forma, existem determinadas classes farmacológicas que geram mais notificações de eventos adversos. Esse grupo ficou conhecido pelo mnemônico “A PINCH”, que é apresentado no quadro a seguir:

Quadro de Medicamentos de Alta Vigilância – A PINCH

quadro de medicamentos de alta vigilância

Fonte: OMS, baseado em New South Wales Ministry of Health

A expressão “a pinch” significa “uma pitada” em inglês, o que não reflete a gravidade do prejuízo associado aos MAV. Por outro lado, favorece a memorização dos medicamentos de alta vigilância.

Assim, é preciso divulgar a lista de MAV institucional e fomentar seu uso criterioso em todas as etapas do cuidado à saúde.

Confira dez estratégias para prevenir erros de medicação com MAV H2

Antes de apresentar as estratégias propriamente ditas, vale frisar que a prevenção da ocorrência de erros de medicação com MAV parte da simplificação e padronização de procedimentos.

Adicionalmente, as ações preventivas devem se apoiar nos princípios básicos de segurança do paciente, preconizados pelo Institute for Safe Medication Practices (ISMP):

  • Reduzir a possibilidade de ocorrência de erros de medicação;
  • Torná-los visíveis; e
  • Minimizar suas consequências.

A seguir, listamos dez estratégias relevantes para tornar o uso de MAV seguro.

1. Introduzir barreiras que minimizem a possibilidade de ocorrência de erros

Seringas para administração de soluções orais com conexões que não se adaptem aos sistemas de infusão intravenosos pode ser uma barreira importante..

Além disso, ampolas de cloreto de potássio concentrado não devem ser mantidas em estoque nas unidades de internação e precisam ser identificadas com etiquetas de alerta para evitar injeção acidental.

2. Estabelecer protocolos claros e detalhados para utilização de medicamentos de alta vigilância

É preciso elaborar protocolos claros e detalhados para utilização de MAV, uniformizando processos e reduzindo sua complexidade e variabilidade. Adicionalmente, recomenda-se padronizar os medicamentos e as respectivas doses a serem utilizadas.

Protocolos para tratamentos antineoplásicos e medicamentos para uso em procedimentos cirúrgicos também podem aumentar a segurança do paciente. Outros protocolos podem ser definidos para procedimentos complexos, a critério da instituição.

Dentre tais protocolos, tem-se, por exemplo, o uso de medicamentos potencialmente perigosos em unidades de terapia intensiva e as situações clínicas que exigem anticoagulação.

3. Promover o acesso de profissionais de saúde e pacientes à informação

Para isso, deve-se investir em treinamento e capacitação para os profissionais de saúde e fazer ampla divulgação da lista de medicamentos de alta vigilância da instituição.

É preciso, ainda, fornecer informações técnicas sobre o uso correto dos MAV. Além disso, deve-se manter pacientes, familiares e cuidadores informados sobre seu tratamento e capacitá-los para auxiliar no monitoramento da farmacoterapia.

4. Revisar continuamente a padronização de MAV

Recomenda-se revisar periodicamente as especialidades de MAV em estoque para evitar trocas de produtos com nomes parecidos (na grafia ou som) ou embalagens semelhantes. São os chamados look-alike e sound-alike, mais conhecidos pela sigla LASA.

Ao identificar situações de risco, deve-se aplicar medidas corretivas, tais como: armazenar MAV em local diferente dos demais medicamentos ou usar etiquetas destacando as diferenças na grafia e som com letras maiúsculas e negrito. Exemplos: EPINEFrina, FENILEFrina, NOREPinefrina.

5. Reduzir o número de alternativas terapêuticas

O modo de fazer isso é reduzir a variedade de apresentações de um mesmo fármaco disponíveis (evitar várias concentrações e volumes no mesmo setor).

6. Centralizar os processos considerados de maior risco de erros

O preparo de misturas intravenosas contendo MAV não deve ser realizado pelas unidades assistenciais, mas sim pela Farmácia Hospitalar.

Vale destacar que a manipulação desses medicamentos deve ser realizada em área especificamente destinada a esse fim, em conformidade com a legislação sanitária vigente. Outra possibilidade é contratar uma farmácia terceirizada.

7. Usar procedimentos de dupla conferência dos medicamentos

A primeira providência é identificar os processos de maior risco e empregar a dupla conferência independente, na qual um profissional revisa o trabalho realizado por outro.

Essa dupla checagem deve se limitar aos pontos mais vulneráveis do processo ou aos grupos de pacientes de risco. Afinal, a presença de elevado número de pontos de controle pode diminuir a eficiência dessa medida.

Alguns exemplos relevantes são: checagem de cálculos de dose para pacientes pediátricos e idosos, programação de bombas de infusão, preparo e administração de quimioterápicos.

Outra medida adicional é o emprego de tecnologias que facilitem a operacionalização e permitam a checagem automática.

8. Incorporar alertas automáticos nos sistemas informatizados

A implantação de um sistema de prescrição eletrônica com suporte clínico é uma importante medida de prevenção de erros.

Adicionalmente, deve-se disponibilizar bases de informações integradas nos programas de prescrição e dispensação para alertar sobre situações de risco, tais como: dose máxima, diluição e histórico de alergias.

9. Estabelecer protocolos para minimizar as consequências dos erros

É preciso elaborar e implantar diretrizes e protocolos de atuação para reduzir as consequências e danos aos pacientes atingidos por erros de medicação, especialmente aqueles envolvendo quimioterápicos, anticoagulantes, opioides e insulina.

Nesse sentido, recomenda-se também a implantação de protocolos de comunicação da ocorrência de um evento adverso aos pacientes e familiares, que é mais conhecido como processo de disclosure.

10. Monitorar o desempenho das estratégias de prevenção de erros

Por último, é preciso analisar o resultado das estratégias de prevenção com base nos indicadores medidos ao longo do sistema de utilização de medicamentos. Para tanto, deve-se identificar pontos críticos do sistema de utilização de medicamentos e direcionar para eles os programas de prevenção e os indicadores a serem utilizados.

Nesse sentido, deve-se adotar, minimamente, os indicadores preconizados pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente para monitoramento dos erros de medicação. Indicadores complementares também podem ser adotados, conforme as particularidades de cada instituição.

Preferencialmente, deve-se usar os mesmos indicadores antes e depois da implantação de mudanças. Assim, será possível avaliar a efetividade das intervenções.

Comece pelo mais simples

Frequentemente, os erros de medicação estão associados a sistemas de saúde e processos de cuidado falhos, bem como uma fraca cultura de segurança institucional.

Portanto, o sucesso das estratégias elencadas depende de um processo de mudança cultural, caracterizado por uma abordagem sistêmica e não punitiva dos erros. Trata-se também de incentivar a notificação de erros e estimular a busca permanente de melhorias.

Por fim, enfatizamos que algumas propostas podem ser bastante complexas e custosas. Já outras, são extremamente simples, como por exemplo, a dupla checagem para detectar e interceptar erros, antes que atinjam e prejudiquem os pacientes. Comece pelo mais simples!

Você se interessa pela segurança do paciente? Então aproveite e confira também a matéria sobre Farmacovigilância: de olho no uso racional de medicamentos.

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.