Publicado em 14 dezembro 2021 | Atualizado em 29 setembro 2021

Os serviços de saúde têm como objetivo básico cuidar da saúde das pessoas, incluindo atividades de prevenção, tratamento e diagnóstico. Nesse contexto, a gestão da cadeia de suprimentos é um serviço de apoio que só ganha visibilidade quando há desabastecimento.

As organizações de saúde dependem de uma grande variedade de materiais, medicamentos e equipamentos, cuja falta pode ser desastrosa. Afinal, o serviço prestado não terá valor se os produtos necessários não estiverem à disposição dos pacientes no momento preciso.

Nesse sentido, a eficiência logística representa um diferencial competitivo, garantindo a entrega dos insumos necessários, no menor tempo possível. Isso envolve a gestão dos processos de aquisição, armazenamento e distribuição, bem como a integração entre produtores, fornecedores e consumidores.

É preciso sincronizar o fluxo de materiais e informações entre as empresas envolvidas em toda a cadeia. Com isso, é possível reduzir os custos de operação e a ajustar os processos rapidamente para atender às oscilações de demanda, que nem sempre são previsíveis.

O desabastecimento do setor de saúde possui múltiplas causas e conhecê-las é o primeiro passo para estimar seu risco de ocorrência. Diante disso, torna-se possível buscar estratégias para mitigar a falta de suprimentos e minimizar seu impacto.
Vejamos então, como lidar com esse desafio permanente da gestão da cadeia de suprimentos no setor saúde.

Conheça as principais causas do desabastecimento do setor

Uma das causas mais comuns do desabastecimento é a falta de produtos, agravada quando há poucos fornecedores. Nesse sentido, o Brasil possui grande dependência do mercado internacional, trazendo grande fragilidade para a cadeia de gestão de suprimentos de saúde.

A interrupção da fabricação e o recolhimento podem ocorrer por iniciativa da Anvisa para proteger a população de produtos potencialmente inseguros, mas também por decisão do produtor. Quando envolve fabricante exclusivo ou majoritário, produz maior impacto na assistência à saúde.

São exemplos recentes de insuficiência a falta de vancomicina, succinilcolina, efedrina e ocitocina. Em situações desse tipo, os substitutos existentes no mercado podem comprometer a segurança por apresentarem maior probabilidade de reações adversas ou induzirem erros de medicação.

Outro problema recorrente é o aumento inesperado da demanda, excedendo a capacidade produtiva. Isso pode acontecer em função da descoberta de novas indicações, surtos e epidemias. Surtos recentes de dengue, por exemplo, elevaram o consumo de paracetamol e desencadearam falta temporária desse medicamento.

A maior crise de escassez que já enfrentamos até agora no mercado da saúde foi, sem dúvida, a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Isso colocou o problema nos holofotes da mídia.

Gestão da cadeia de suprimentos durante a pandemia

As mudanças bruscas da oferta e da demanda de determinados itens necessários para enfrentar a Covid-19 evidenciaram a fragilidade da gestão da cadeia de suprimentos em nível global. Não se trata apenas de um problema de gerenciar a demanda, mas sobretudo da incapacidade de aumentar rapidamente a oferta.

Segundo estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz, isso se deve ao fato das cadeias de produção de medicamentos se concentrarem em poucos locais do mundo. No caso dos insumos farmacêuticos ativos (IFA), essa concentração é ainda maior, pois cerca da metade dos IFAs produzidos no mundo vêm da China.

Estratégias para mitigar o desabastecimento

Uma vez constatada a indisponibilidade, cabe à Comissão de Padronização estudar alternativas terapêuticas disponíveis no mercado. Depois de selecionadas as alternativas, deve-se divulgar informação pertinente para assegurar o uso seguro de tais produtos na instituição e prevenir erros no cuidado à saúde.

Ocasionalmente, pode ser vantajoso integrar-se com outras instituições para adotar medidas conjuntas, incluindo a busca de novos fornecedores e produtos alternativos. Associar-se com outras organizações também pode servir para pressionar a indústria e as autoridades sanitárias.

Quando as opções terapêuticas são escassas ou inexistentes, é preciso também estabelecer critérios para seleção de pacientes, visando definir grupos prioritários para os estoques remanescentes. Tais medidas devem ser submetidas à aprovação da diretoria clínica e amplamente divulgadas para a equipe assistencial.

Vale destacar ainda, a importância de comunicar aos órgãos governamentais e associações de classe os casos de indisponibilidade. Assim, garante-se maior visibilidade para o problema e facilita-se sua gestão em nível nacional.

Preventivamente, as organizações devem identificar medicamentos e produtos para a saúde essenciais e aqueles que possuem poucas alternativas terapêuticas.

Produtos com um único fornecedor devem ser classificados como críticos e sua disponibilidade no mercado monitorada periodicamente.

Para prevenir o desabastecimento, é desejável que o governo dedique maior atenção aos produtos considerados essenciais. Nesse sentido, recomenda-se o monitoramento prospectivo da cadeia de suprimentos para identificar e analisar precocemente a interrupção da produção ou importação de medicamentos.

Institucionalmente, as organizações também podem intensificar o monitoramento do mercado para identificar precocemente o risco de falta de suprimentos. Esse trabalho pode ser facilitado por meio da tecnologia da informação.

Uso da tecnologia de informação na gestão da cadeia de suprimentos

Assim, a ampliação da capacidade de análise preditiva se apresenta como um diferencial importante para a gestão da cadeia de suprimentos. Soluções baseadas em tecnologias digitais aumentam a eficiência, reduzem as chances de erros e os custos relacionados a suprimentos.

Estamos falando da saúde 4.0, que permite antecipar as demandas, conhecer os estoques em tempo real e planejar as compras com mais rigor. Com isso, evitam-se os estoques excessivos e também as temidas faltas.

Outro conceito importante é o de cadeia de suprimentos inteligente, que está intimamente ligado à tecnologia de informação e inovação. Desse modo, depende de investimento em sistemas de gestão integrada, mais conhecidos como ERPs.

Além de potencializar a gestão de estoques, os sistemas informatizados podem ser associados com mecanismos de automação e rastreabilidade. Isso tudo introduz mais agilidade aos processos e minimiza a possibilidade de erros.

Nesse contexto, vale citar duas tecnologias que ocupam lugar de destaque na gestão da cadeia de suprimentos: a internet das coisas (IoT) e a identificação por rádio frequência (RFID).

A IoT parte do princípio que é possível monitorar qualquer demanda em tempo real a partir da instalação de sensores. A comunicação é feita por internet ou rede interna, gerando informações precisas para uma gestão de estoque mais assertiva.

A tecnologia de RFID, por sua vez, é um mecanismo de rastreabilidade por meio de etiquetas que podem ser lidas por um hardware específico. Permitindo assim, controlar a movimentação de itens e gerar inventários de forma instantânea.

Por fim, vale destacar que uma gestão da cadeia de suprimentos inteligente não depende só de tecnologia. Demanda também profissionais capacitados, que possuam visão estratégica do mercado e possam usar as informações disponíveis para tomar decisões mais assertivas.

Metodologia lean: da indústria automotiva para a gestão da cadeia de suprimentos hospitalares

No período pós Segunda Guerra Mundial, a fim de superar a capacidade produtiva de seus concorrentes, surgiu, na indústria automobilística do Japão, o conceito de manufatura enxuta. Nascia então o Sistema Toyota de Produção ou Lean Manufacturing.

Desse modo, para a metodologia lean o estoque é visto como um dos principais desperdícios e, portanto, é preciso eliminá-lo para reduzir os custos. A ideia é produzir apenas o necessário, no momento preciso e na quantidade requerida.

O método lean deu tão certo que foi internacionalizado e transferido para outras áreas, inclusive a saúde. A gestão da cadeia de suprimentos enxuta é aquela que evita desperdício e escassez, podendo ser dividida em cinco etapas, descritas a seguir.

Definição de valor

A primeira etapa consiste na definição de valor, ressaltando que quem define o valor de um produto ou serviço é o cliente. O paciente deseja ter seu problema de saúde resolvido e, portanto, cabe a ele ditar o quanto está disposto a pagar por isso.

Mapeamento do fluxo de valor

Em segundo lugar, vem o mapeamento do fluxo de valor, que consiste em uma descrição gráfica dos fluxos de materiais e de informações. O esquema deve detalhar o percurso do paciente, os profissionais envolvidos no atendimento e o tempo necessário para execução de cada etapa.

O mapeando desses fluxos permite, portanto, identificar possíveis focos de desperdício, gargalos, esperas e atrasos. Com isso, pode-se dar sequência ao terceiro passo que é justamente construir um fluxo contínuo, removendo tudo aquilo que não agrega valor ao processo produtivo de bens ou serviços.

Mapa da Situação Futura

Nesse segundo mapeamento, deve-se, então, traçar um novo fluxo, a partir de propostas de melhoria levantadas pela equipe de trabalho. Assim, é desenhado um novo mapa do fluxo de valor, que é denominado de mapa da situação futura.

Produção Puxada

O quarto passo, por sua vez, é implantar a produção puxada, que consiste em conectar a demanda com a entrega. Isso significa monitorar o estoque de perto, para disparar a compra no momento oportuno, a fim de não ocorrer faltas e nem tampouco estoque excessivo.

A produção puxada se materializa através dos kanbans, que são dispositivos, como cartões (físicos ou eletrônicos), que comandam a movimentação de itens somente quando necessário. No contexto lean, o kanban evita a falta de material para ser processado, distribuído ou entregue.

Padronização

Finalmente, a quinta etapa é a padronização, almejando a perfeição. Desse modo, os novos fluxos construídos nas fases anteriores devem ser incorporados à rotina e virar regra dentro da organização para que não se percam as melhorias já conquistadas.

Vale destacar, ainda, que o lean é dinâmico e, portanto, o mapeamento de fluxo de valor pode ser repetido para detectar novos pontos de melhoria. Para a gestão da cadeia de suprimentos isso resulta em mais agilidade, produtividade e competitividade.

Enfim, com a técnica de enxugar os processos logísticos, evita-se o temido desabastecimento, que poderia interromper a prestação de serviços. Além disso, a organização passa entregar mais valor agregado aos clientes.

Espero que o conteúdo tenha te ajudado a ter uma visão mais estratégica de por onde começar a enxugar a gestão da cadeia de suprimentos na sua organização.

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.