Publicado em 2 setembro 2020 | Atualizado em 19 julho 2021

A gestão de suprimentos engloba uma sequência de operações que começa com a seleção de fornecedores, passa pela aquisição, recebimento, armazenamento, distribuição, consumo e termina com o descarte final de resíduos.

Medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais respondem por aproximadamente 30% das despesas hospitalares. Geralmente, o gasto que o hospital tem com suprimentos só é superado pelo seu gasto com pessoal. Dessa forma, otimizar a gestão de suprimentos é também uma forma de garantir a sobrevivência financeira dos hospitais

De modo geral, a logística sempre foi uma área desafiadora para os serviços hospitalares. Quer seja pela quantidade de itens necessários ao funcionamento dos serviços prestados, quer seja pela incessante busca de estratégias para reduzir os níveis de estoque. Sem comprometer a qualidade e agilidade do atendimento.

Neste ano de 2020, no entanto, a gestão de suprimentos se depara com um desafio muito maior: estamos lidando com uma pandemia causada por um novo vírus. A COVID-19 é uma doença que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves.

Nas formas mais leves, o paciente apresenta sintomas semelhantes a um resfriado (febre, dor de garganta, dor de cabeça, tosse e coriza). Podendo evoluir para uma síndrome respiratória aguda grave (SARG), que demanda suporte ventilatório nos casos mais críticos.

Antes de avançar na gestão de suprimentos e na gestão de crise como estratégia para superação dos efeitos da pandemia, vamos entender como tudo isso começou.

Breve Cronologia da Pandemia

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre um surto de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. Tratava-se de uma nova cepa de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização.

Esse vírus recebeu o nome de SARS-COV2, sendo o responsável pela doença denominada de COVID-19. Rapidamente disseminada por várias regiões e países do mundo. Em função disso, no dia 11 de março de 2020, a COVID-19 foi declarada pela OMS como uma pandemia.

Até a primeira quinzena de agosto de 2020, o coronavírus contaminou mais de 3 milhões de pessoas e ultrapassou a marca de 100 mil mortos só no Brasil. Nosso país ocupa o segundo lugar no ranking mundial dessa pandemia, que já soma mais de 20 milhões de casos e acumula mais de 700 mil mortos.

Instalação da Crise

A crise global global que veio junto à pandemia, acabaram impactando na saúde, economia, política e na vida social.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, cerca de 80 dos casos seriam leves e não haveria necessidade de hospitalização. Entre os 20% que necessitariam de internação, previa-se que menos de 5% utilizariam suporte ventilatório, em uma UTI.

Porém, desde o primeiro caso de COVID-19, confirmado em fevereiro deste ano, não demorou muito para que a doença avançasse pelo país. E levasse ao esgotamento dos leitos hospitalares, incluindo leitos de UTI, em algumas localidades.

Em meados de maio e junho já estávamos lidando com a crise da escassez. A falta de insumos no mercado compromete não só o atendimento dos pacientes acometidos pela COVID-19, como também todos os demais que necessitarem de hospitalização neste período. Isso é o que revelou o levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (SBRAFH) entre 27 de maio e 08 de junho de 2020.

A SBRAFH entrevistou 731 farmacêuticos diretamente envolvidos na gestão de suprimentos hospitalares de todas as regiões do Brasil. 87% dos entrevistados relataram ruptura de estoque de suprimentos durante a pandemia.

Segundo os farmacêuticos hospitalares, as maiores dificuldades de abastecimento envolvem medicamentos para sedação (64%), seguido de bloqueadores neuromusculares (59%) e analgésicos (37%). Também foi evidenciado por 65% dos profissionais a falta de perspectiva para garantir a continuidade da prestação de serviços pelos próximos três meses, com regularidade de suprimentos.

Gestão da Crise na Pandemia

Na medida do possível, vale a recomendação da SBRAFH para que os hospitais reforcem os estoques de suprimentos relacionados ao tratamento da COVID-19 e outras medidas de suporte. Isso criará uma nova demanda de ampliação da área de armazenamento. Nesse sentido, convém estudar a possibilidade de substituir medicamentos termolábeis por itens que possam ser armazenados em temperatura ambiente.

Mesmo se antecipando às demandas, o hospital precisa elaborar um plano de contingência, considerando a possibilidade de falta de itens essenciais no mercado, como já vem acontecendo. O plano de contingência deverá contemplar produtos alternativos que possam ser usados como substitutos aos produtos usuais, evitando assim a descontinuidade no atendimento.

Diante desse cenário de crise, a gestão de suprimentos merece toda atenção. É preciso estreitar o diálogo entre produtores, fornecedores e consumidores da cadeia logística e buscar alternativas para minimizar os impactos negativos da pandemia. O protagonismo do setor de compras, buscando novos fornecedores e estudando novas modalidades de aquisição pode ser um grande diferencial para superar a escassez de insumos.

Dentro da organização, a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) deve ser realizada de forma multidisciplinar, envolvendo farmacêuticos, administradores, médicos, enfermeiros, dentre outros atores relevantes. A gestão desta crise exige a construção de modelos que considerem não apenas os aspectos econômico-financeiros, mas também questões de ordem técnica e social, de modo que as decisões sejam mais assertivas, mesmo onde paira tanta incerteza.

Para novos problemas: novas soluções

Diante da crise, as organizações de saúde se veem obrigadas a sair em busca de novos produtos e fornecedores, sem perder de vista o objetivo de tratar os pacientes com produtos seguros e eficazes. No caso de medicamentos ou materiais que nunca foram utilizados na instituição, é desejável solicitar amostras para avaliação, antes de concretizar a compra. Afinal, as realidades de cada instituição podem ser muito diferentes e o que é ótimo para uns pode ficar muito longe de ser bom para outros.

Para lidar com uma nova doença, ainda pouco conhecida, salienta-se também a necessidade da equipe responsável pela ATS se manter atualizada em relação às evidências científicas dos principais medicamentos e produtos para a saúde que estão sendo pesquisados para o enfrentamento da COVID-19.

Ao se depararem com evidências consistentes de que algo funciona (ou não funciona), essa equipe poderá demandar novas aquisições e suspender outras. Mas não é só isso: a comissão responsável pela ATS precisa disseminar informações para quem está na linha de frente poder colocar em prática as inovações. Tudo isso de uma forma rápida e objetiva.

Reduzindo o Contágio no Ambiente Intra-hospitalar

O novo coronavírus tem mostrado um alto poder de contágio. Por isso, não podemos deixar de destacar a importância de investir em formas de minimizar o deslocamento de pessoas no ambiente intra-hospitalar para que este não se transforme em local de propagação.

Uma estratégia simples de reduzir o contágio é reforçar os estoques de materiais e medicamentos de uso frequente nas unidades de atendimento. Isso reduzirá idas e vindas da equipe de enfermagem até o almoxarifado ou a farmácia.

Outra tática mais elaborada depende de tecnologias de informação. A informatização possibilita checar informações e requisitar insumos ou serviços, sem ter que entrar ou sair da unidade. Isso minimiza a troca de equipamentos de proteção individual (EPI) em áreas isoladas e elimina o trânsito de papel, potencialmente contaminado pelo coronavírus. Esta medida não só evitará a contaminação, como também reduzirá o consumo de EPIs, que também se converteram em bens caros e escassos.

Políticas de Minimização de Danos

Por último, a gestão de crise nas organizações deve garantir um processo de informação seguro e transparente, tanto para o público interno quanto externo. A idéia é mostrar que o hospital está atento aos acontecimentos e tomando as ações adequadas para resolver ou minimizar a situação, com o menor impacto possível.

A situação de crise provocada pela COVID-19 traz prejuízos inevitáveis, como a superlotação dos hospitais e a repressão de outras demandas de saúde. Portanto, a palavra de ordem do momento é agilidade de adaptação frente às adversidades, visando a minimização dos danos.

A pandemia pela COVID-19 exige a implantação de diferentes protocolos e a revisão constante dos fluxos de atendimento. Tudo isso, acompanhado da preocupação com a minimização de riscos para os trabalhadores. Além da manutenção dos padrões de segurança e qualidade no atendimento prestado aos pacientes.

Vai Passar

Em relação à crise, disse o célebre cientista Albert Einstein:

É na crise que aflora o melhor de cada um, porque sem crise todo vento é uma carícia. Falar da crise é promovê-la, e calar-se na crise é exaltar o conformismo. Em vez disto, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.

Enfim, o nosso desejo é que, com dedicação e profissionalismo, tudo isso vai passar. Ao final desta pandemia, esperamos poder dizer que foi superada com muito trabalho , mas também com muito aprendizado.

Continue por dentro do assunto e veja esse conteúdo que produzimos sobre a Farmacovigilância e o uso racional dos medicamentos.

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.