O termo disclosure significa divulgação ou revelação. Trata-se de um protocolo a ser adotado pela instituição que preza pela segurança do paciente, visando partilhar com os pacientes e familiares a ocorrência de um erro no cuidado à saúde.
O objetivo dessa “revelação” é permitir que o paciente saiba, honestamente, o que houve, quais as medidas tomadas para minimizar o dano e o que será feito para que esse erro não se repita.
Infelizmente, os riscos na saúde não se limitam àqueles especificamente relacionados ao problema de saúde e aos efeitos adversos do seu tratamento. Esses riscos incluem a ocorrência de erros no cuidado à saúde.
Na mesma medida em que os tratamentos foram crescendo em complexidade, também aumentaram os riscos associados ao cuidado. Não é à toa que a segurança do paciente constitui um dos seis pilares da qualidade em saúde propostos por Donabedian.
Os medicamentos constituem um dos principais tratamentos para a maioria das doenças e, por isso, também é grande o número de erros a eles relacionados.
Estimativas no Brasil ainda são pouco consistentes, mas, para se ter uma ideia da dimensão do problema, nos Estados Unidos, os erros de medicação respondem por mais de uma morte por dia e afetam cerca de 1,3 milhão de pessoas por ano.
A Organização Mundial de Saúde calcula que o custo mundial associado aos erros de medicação deve girar em torno de US$ 42 bilhões por ano, o que representa aproximadamente 1% do total das despesas de saúde globais.
A adoção de condutas não punitivas e a revelação dos erros têm um papel chave na segurança do paciente. Instituições com uma cultura de segurança madura devem possuir uma política de disclosure bem definida.
Em que situações se deve fazer o disclosure?
O disclosure tem relação direta com o Princípio da Informação. Trata-se de um princípio contemplado no Código Civil para todas as relações contratuais, inclusive os serviços de saúde.
O direito do paciente à informação é amparado, ainda, pela Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que prevê que o paciente deve ter conhecimento sobre todos os aspectos de sua doença, do tratamento e dos riscos envolvidos.
Quando questionados a respeito, profissionais e pacientes reconhecem a importância do disclosure. Na prática, porém, nem sempre a revelação dos erros no cuidado à saúde acontece.
Levantamento realizado nos Estados Unidos em 2004, com os gestores hospitalares, apontou que 65% dos hospitais realizava o disclosure em caso de morte ou evento adverso grave e apenas 37% sempre faziam o disclosure de danos graves de curta duração.
A resistência em revelar falhas decorre da associação cultural entre erro e fracasso. Na verdade, o erro é fruto da natureza humana e pode afetar até mesmo profissionais bem preparados. Ambientes desorganizados e estressantes podem aumentar sua incidência.
O medo de represálias ou processos judiciais são as principais razões para a não realização do disclosure. Entretanto, ao não assumir os erros no cuidado à saúde, perde-se a oportunidade de averiguar e combater suas causas, evitando que se repitam.
Embora possa ser dolorosa, o paciente prefere a verdade. Deixar de comunicar sobre o erro fere seu direito à informação e prejudica a confiança que sustenta uma boa relação entre pacientes e profissionais.
Então, a pergunta a ser feita não é sobre as situações em que o erro no cuidado à saúde deve ser revelado ou não, mas sim como fazer essa comunicação para o paciente.
Disclosure: quanto antes melhor
Na ausência de fluxos institucionais, a comunicação acaba ocorrendo da pior forma possível: por investigação da família, através de comentários ou no meio de um processo judicial.
Ao contrário do que se imaginava, a experiência mundial tem revelado que comunicar sobre um erro no cuidado à saúde, pode até diminuir a chance de o paciente recorrer judicialmente.
O direito de reparação judicial sempre existe, mas um disclosure bem-estruturado pode satisfazer esse desejo. A seriedade demonstrada pela instituição na sua relação com o paciente e o empenho para corrigir falhas e minimizar danos decorrentes podem ser suficientes.
Sabe-se que o disclosure prematuro pode provocar estresse desnecessário por parte do paciente e seus familiares. Por outro lado, esperar por uma investigação completa para apurar os fatos pode desencadear sentimentos como raiva e frustração.
Assim, o entendimento dos especialistas em segurança do paciente é que o processo de disclosure deve ocorrer o mais cedo possível. Afinal, é a única forma de garantir que haja um fluxo adequado de informação.
A revelação do erro no cuidado à saúde é a melhor forma de assegurar a devida transparência na comunicação e a adoção de providências cabíveis.
Os Quatro passos do disclosure
Os elementos-chave que devem ser incluídos no disclosure são:
- Explicação sobre o que aconteceu;
- Reconhecimento da responsabilidade de forma apropriada;
- Pedido de desculpas;
- Compromisso em evitar que episódios semelhantes voltem a ocorrer.
O Processo de disclosure no cuidado à saúde
O disclosure é um processo relacionado à segurança do paciente e envolve um planejamento cuidadoso. Basicamente, pode ser dividido em quatro etapas: planejamento; conversa inicial; conversa final; fechamento e documentação.
Antes de iniciar esse processo, vale destacar que a prioridade é garantir a segurança do paciente. Medidas para minimizar danos decorrentes do erro no cuidado à saúde devem ser adotadas com rapidez, paralelamente ao disclosure.
Primeira Etapa: planejamento
O planejamento do disclosure consiste em:
- Reunir o máximo de informações sobre o evento, colhendo a história de todos os envolvidos. Manter o foco na elaboração do roteiro para conversar com o paciente.
- Deixar de lado análises de causa-raiz e estratégias de melhoria. Isto será discutido em outras ocasiões, junto à Gerência de Risco e o Núcleo de Segurança do Paciente.
- Estabelecer quem participará da conversa com o paciente e sua família. O ideal é que os profissionais envolvidos na assistência participem, pois isso transmitirá uma preocupação genuína com o paciente e a sensação de continuidade do cuidado.
- Planejar um momento adequado para a conversa. No contexto da segurança do paciente, essa conversa precisa acontecer o quanto antes. Caso contrário, o paciente pode notar mudanças inesperadas no curso do tratamento e solicitar esclarecimentos.
- Não postergar a informação: isso dá impressão de que a instituição está ganhando tempo para acobertar o erro. Não se pode dar espaço para comunicações equivocadas.
- Eleger uma única pessoa para transmitir as informações ao paciente. O mesmo profissional deve realizar todas as comunicações subsequentes, para evitar ambiguidade e mal entendidos.
- Tornar o conteúdo do informe objetivo, pontuando apenas o que ocorreu e o que está sendo feito para corrigir o problema. Ater-se aos fatos conhecidos até o momento, evitando suposições.
- O roteiro também deve prever e contemplar possíveis dúvidas que poderão surgir durante a conversa.
- Adotar linguagem clara e acessível, compatível com o perfil do paciente e evitar o uso de termos técnicos que possam ser mal interpretados.
- Reforçar que a preocupação é informar os implicados o mais breve possível e que, por isso, ainda não se sabe todos os fatos. Deixar claro que a ocorrência será analisada em profundidade e os fatos novos serão comunicados oportunamente.
- Contar com apoio e orientação jurídica.
Segunda etapa: conversa inicial
O disclosure em si começa aqui. A conversa inicial deve acontecer preferencialmente nas primeiras 24 horas após o evento, observando estes aspectos:
- Revelar a história que foi acordada com a equipe na etapa anterior, procurando dizer objetivamente o que aconteceu (revelar apenas fatos).
- Explicar que os motivos pelos quais o evento ocorreu serão investigados posteriormente.
- Informar todas as medidas que estão sendo adotadas para minimizar o dano e quais serão os próximos passos.
- Assumir uma postura empática e solidária. Ao mesmo tempo, evitar a palavra “erro” e frases prontas que demonstrem artificialidade.
- Fazer pausas para o paciente assimilar os fatos e checar periodicamente se as informações estão sendo compreendidas.
- Evitar responder perguntas sobre compensação financeira, principalmente se isso não for da competência do profissional que faz o disclosure.
- Limitar-se a demonstrar empatia com essa preocupação e direcionar o pedido ao departamento que possui competência para isso.
- Desculpar-se, quando for apropriado. Pacientes tendem a responder de forma muito positiva a um pedido de desculpas sincero.
- Explicar que essa conversa pode ser seguida por outras, na medida que surgirem novos desdobramentos.
- Deixar um meio de contato e programar uma nova comunicação em até 45 dias, no máximo.
O profissional que realiza o disclosure pode ficar em uma posição vulnerável. Por isso, deve estar convicto de que está fazendo o melhor possível e preparado para que as desculpas não sejam aceitas.
Vale esclarecer que, mesmo depois de compreendida a situação, alguns pacientes e familiares nunca perdoarão o ocorrido. De qualquer forma, suporte psicológico deve ser oferecido ao paciente e seus familiares para lidarem melhor com a situação.
Terceira Etapa: conversa final
Uma comunicação de fechamento do disclosure deve ser realizada com o objetivo de fornecer informações complementares.
Nesta etapa, se o erro no cuidado à saúde resultou em lesão grave, sequela ou morte, a diretoria e a gerência devem estar presentes.
A presença da direção na conversa final reforça que a instituição está comprometida em reparar os danos e assumir as responsabilidades pelo fato. Essa atitude demonstra zelo pela segurança do paciente e seu bem estar. Na conversa final, deve-se:
- Explicar o que aconteceu, contemplando as causas e os fatores contribuintes.
- Informar o que será feito para evitar futuros eventos adversos, quais foram as oportunidades de melhoria identificadas e as lições aprendidas.
- Demonstrar que os profissionais e a equipe entendem – e se solidarizam – com o sofrimento do paciente e da família.
- Documentar o que foi decidido.
- Pode ser elaborado, ainda, um pedido formal de desculpas.
Por último, dependendo da gravidade do erro no cuidado à saúde, cabe a instituição prover suporte psicológico, social e financeiro.
Quarta Etapa: documentação
A última etapa consiste no fechamento e documentação do disclosure.
O encontro com o paciente/família pode despertar tensões na equipe, merecendo uma reunião de debrief, que deve ser conduzida por um líder clínico ou coach, sem envolvimento direto com os fatos.
Faz-se importante aplicar política justa com os profissionais envolvidos, procurando ouvi-los e obter a confirmação da sua competência técnica e reforçar sua autoestima.
Muitas vezes, os profissionais envolvidos podem estar emocionalmente afetados e uma estrutura de apoio psicológico deve ser acionada para prestar o devido apoio a eles.
Para finalizar o processo, o disclosure deve ser registrado no prontuário do paciente com um resumo das informações fornecidas e as medidas adotadas.
Confira um resumo do processo de disclosure no Quadro 1.
Quadro 1 – O processo de disclosure
Baseado em: Canadian Safety Institute. Canadian Disclosure Guidelines: Being with patients and families. Ottawa:2011
A transparência contribui para a segurança do paciente
Estudos internacionais demonstraram que a ocorrência de erros no cuidado à saúde tem magnitude expressiva e impacto clínico, econômico e social bastante significativos.
Nesse cenário, a transparência tem um papel chave para a segurança do paciente. Investir em estratégias assertivas de comunicação dos erros no cuidado à saúde pode influenciar a reação dos pacientes, reforçando uma atitude de parceiros, ao invés de vítimas.
Assim, a realização do disclosure faz parte de um processo de mudança cultural em prol da segurança do paciente, o que pode trazer ganhos significativos para todas as partes envolvidas.
Enfim, a transparência nas relações pode beneficiar não apenas pacientes, que são vítimas diretas do erro no cuidado à saúde. Também podem favorecer os profissionais, que são as segundas vítimas e as instituições, consideradas as terceiras vítimas.
Portanto, para a instituição, o disclosure reforça seu compromisso com a segurança do paciente e a qualidade dos serviços prestados.
Sob a ótica da sociedade, leva à conscientização de que os erros no cuidado à saúde podem acontecer e devem ser tratados de maneira assertiva.
Do ponto de vista do paciente, a comunicação honesta e o compromisso com a continuidade da assistência podem aumentar a confiança e fortalecer a relação com os provedores de cuidados.