Publicado em 6 outubro 2020 | Atualizado em 6 outubro 2020

Nunca se falou tanto em vacinas como nos últimos meses, após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Mais de 891 mil pessoas já morreram desde que o surgimento da doença em Wuhan, na China, foi oficialmente registrado.

De dezembro de 2019 até agora, são mais de 27 milhões de pessoas contaminadas. No entanto, vale lembrar que os dados oficiais da OMS são atualizados diariamente, o número de casos ainda é crescente.

Nesse sentido, a busca por uma solução rápida, eficaz e segura para proteger a população do contágio vem movimentando laboratórios e organizações de saúde em todo o mundo.

Atualmente, existem 176 vacinas em desenvolvimento. Destas, 34 já se encontram na fase de teste clínico, mas apenas oito já alcançaram a terceira fase dos testes. É nessa terceira etapa que as doses aplicadas em número maior de voluntários realmente demonstram sua eficácia.

No Brasil, já são quatro vacinas sendo testadas na fase 3:

  • AstraZeneca (Oxford, Inglaterra) em parceria com a Fiocruz;
  • Sinovac (China), em parceria com o Instituto Butantã (São Paulo);
  • Pfizer, em parceria com a BioNTech (Alemanha);
  • Janssen-Cilag, produzida pela divisão farmacêutica da Johnson&Johnson.

Contudo, apesar da expectativa de que logo haverá uma vacina segura e eficaz contra o coronavírus, os órgãos reguladores indicam que há um longo caminho pela frente. Isso porque todo o processo de desenvolvimento das vacinas passa por diversas fases e estudos.

Ao mesmo tempo que a rapidez histórica na elaboração de um imunizante demonstra na prática o quanto a tecnologia tem avançado, essa “corrida” deve ser vista com cautela. Para a OMS, a vacina inglesa (Oxford/Fiocruz) é, atualmente, o projeto mais promissor no Brasil.

Desenvolvimento de vacinas: quais as etapas do processo?

Todo o processo que envolve o desenvolvimento das vacinas é bastante complexo e demorado. A partir da descoberta do vírus até sua regulamentação, uma vacina pode levar décadas para ser oficialmente aprovada e licenciada.

Raramente um imunizante consegue ser reproduzido em larga escala num período menor que 10 anos. A vacina mais rápida de que se tem conhecimento é a do ebola.

Somente após cinco anos de estudos é que a Ervebo, produzida pela Merck, recebeu aprovação da Agência Europeia de Medicamentos e autorização para comercialização pela Comissão Europeia. O imunizante também foi aprovado pela Food & Drug Administration (FDA), a agência reguladora norte-americana.

Porém, vale lembrar que o vírus ebola teve seus primeiros registros em 1976. E quase 40 anos depois, com uma nova epidemia iniciada em março de 2014, é que os estudos da vacina finalmente avançaram.

Etapas iniciais: estudos de laboratório e teste em animais

Na maioria dos países, o desenvolvimento das vacinas segue um padrão de etapas. As primeiras são os estudos em laboratório, que buscam identificar características do vírus ou bactéria. Depois de uma análise que explora a atuação do vírus, são feitos testes em animais para observar os reagentes.

Fase exploratória

A primeira fase dentro da etapa inicial envolve uma pesquisa laboratorial básica, onde cientistas e pesquisadores identificam os antígenos, naturais ou sintéticos, que podem ajudar na prevenção ou tratamento da doença. Geralmente, essa fase dura em torno de dois a quatro anos.

Assim, os antígenos identificados podem incluir somente partículas parecidas com vírus, vírus enfraquecido, toxinas bacterianas enfraquecidas ou substâncias derivadas do patógeno.

Estágio pré-clínico

Nessa fase de estudos iniciais são utilizados sistemas de cultura de tecidos ou de células. Juntamente com teste em animais, que irão avaliar a segurança da potencial vacina, assim como sua capacidade de gerar resposta imune.

Comumente os testes pré-clínicos são feitos em ratos ou macacos. Desse modo, os pesquisadores têm uma ideia mais clara da resposta celular que pode ocorrer em humanos. É nesta fase também que pode partir a sugestão de dose inicial e de um método seguro de administração para a próxima etapa.

Enquanto durar o estágio pré-clínico, os pesquisadores podem adaptar a vacina para torná-la mais eficaz. Do mesmo modo, são feitos os estudos de desafio, onde os animais são previamente vacinados e depois infectados com o patógeno para observar a resposta imune.

Frequentemente, ao passar por essa fase as vacinas candidatas não avançam, pois não apresentam a resposta desejada de imunização. Esses estudos pré-clínicos, em condições normais de pesquisa, podem durar de um a dois anos. Geralmente envolvem além de cientistas de universidades, pesquisadores da indústria farmacêutica.

Solicitação de teste

Após passar pelo estágio pré-clínico e apresentar resultados satisfatórios, a empresa privada participante do estudo que tenha interesse na produção, solicita a validação para a fase de testes em humanos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o pedido de novo medicamento investigacional (IND) é encaminhado ao FDA. Nele, devem estar descritos todos os processos de teste e fabricação, com resumo dos relatórios da fase laboratorial e descrição da proposta de estudo.

O prazo para aprovação do pedido é de 30 dias, e depende antes da aprovação do protocolo clínico por um conselho de revisão, que representará uma instituição onde o ensaio será conduzido (uma universidade ou instituto de pesquisa, por exemplo). Após o pedido ser aprovado, podem iniciar as três etapas de teste em voluntários.

No Brasil, a Anvisa é o órgão responsável pela aprovação e os trâmites são bastante semelhantes.

Quais são as fases na etapa de teste das vacinas?

A etapa de testes de uma vacina em humanos é dividida em três fases. Entre outras diferenças, está o número de indivíduos que participam da análise.

Como ainda não se sabe a resposta do organismo à substância, o teste inicial precisa ser feito numa quantidade reduzida de pessoas. À medida que vai apresentando resultados, o número de indivíduos testados aumenta a cada nova fase.

Fase 1

Os primeiros estudos em humanos servem para verificar a segurança e a resposta imune da vacina. Esse teste é feito com um pequeno grupo, onde os participantes são monitorados constantemente.

Fase 2

Na segunda fase de teste, são analisadas as variações de dose. Essa etapa pode contar com a participação de centenas de pessoas, inclusive em regiões e países diferentes. Em vias tradicionais de estudo, a fase 2 pode levar mais de dois anos para ser concluída.

Pois é a partir daqui que será observado o aumento de anticorpos no sangue que responderão à ação do patógeno. Dessa maneira, o efeito positivo da vacina é notado caso o vírus ou bactéria se impedido de atingir as células.

A partir de uma resposta eficaz nessa fase, a vacina poderá, finalmente, avançar para a terceira fase de testes.

Fase 3

Nessa etapa, os testes da fase 2 são repetidos, porém em um número muito maior de indivíduos. Para isso, milhares de voluntários em diversos países são recrutados para receber a dose testada.

Aqui, ocorre o chamado ensaio clínico randomizado e duplo-cego. O que significa que nem todos os participantes recebem, de fato, a vacina experimental. Ou seja, alguns indivíduos recebem apenas um placebo.

Portanto, essa é uma etapa mais complexa, justamente por analisar um maior número de pessoas de diferentes lugares. Então, será observada a eficácia e segurança da vacina, demonstrando capacidade de proteção com reações adversas inexistentes ou mínimas.

É importante lembrar que, em qualquer uma das fases, caso os dados apresentem algum tipo de preocupação quanto à segurança ou eficácia da vacina, o órgão regulador poderá solicitar estudos adicionais. Ou ainda, interromper os estudos em andamento enquanto avalia as informações.

Como ocorre a regulamentação das vacinas?

O processo de regulamentação das vacinas começa com a solicitação do registro. Logo, os laboratórios que estiverem à frente dos estudos para desenvolvimento de vacinas devem manifestar interesse em registrar o medicamento. Isso é feito através da formalização do pedido junto aos órgãos reguladores (FDA, Anvisa, EMA).

Logo após o peticionamento se inicia o processo de regularização e registro. Esse trâmite é válido para todos os tipos de medicamentos, não ficando restrito aos imunobiológicos.

Todavia, algumas exigências da Anvisa são específicas para o registro de produtos biológicos e estão contidas na RDC nº 55/2010. Outros documentos também são solicitados, tais como:

  • Certificação de Boas Práticas de Fabricação;
  • Autorização de Funcionamento (AFE);
  • Plano de farmacovigilância;
  • Relatório com dados sobre matérias-primas utilizadas na fabricação;
  • Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos (DDCM).

Vale ressaltar que o pedido de registro pode ser feito durante os estudos da fase 3. Ou seja, os dados consolidados da primeira e segunda fases de teste em humanos servem como base para a avaliação. Contudo, isso depende da demonstração de alta eficácia e caso não exista outra droga ou terapia alternativa comparável àquele estágio.

Além disso, paralelo aos testes de fases 1, 2 e 3, a empresa desenvolvedora da vacina deve realizar um estudo de estabilidade do medicamento, a fim de gerar dados seguros sobre condições adequadas de armazenamento e prazo de validade da vacina.

Aprovação e licenciamento

Após passar por todas as etapas de teste ter o pedido de registro, a vacina precisa ainda ser aprovada e licenciada pelos órgãos reguladores.

A agência reguladora norte-americana, por exemplo, possui um Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados responsável por avaliar os resultados. Porém, após a aprovação, o FDA mantém a supervisão da produção, com intuito de manter a segurança contínua da vacina.

Na União Europeia o processo é semelhante. Ao final dos testes, o desenvolvedor submete o resultado à EMA com o pedido de autorização de comercialização. Todavia, a aprovação e o licenciamento dependem dos resultados da avaliação científica. que devem mostrar que os benefícios são maiores que os riscos.

Da mesma forma ocorre no Brasil, sendo que aqui existe uma legislação que prioriza a análise de pedidos de registro e pós-registro de medicamentos, a RDC 204/2017.

E ainda com o intuito de dar mais celeridade ao processo de regulamentação de vacinas para a Covid-19, o Ministério da Saúde, através da Anvisa, reforçou a priorização dessas análises e publicou a RDC 348/2020.

Em suma, podemos dizer que os avanços tecnológicos e de pesquisas científicas vêm contribuindo amplamente para diminuir o tempo de desenvolvimento de vacinas.

Porém, entre a liberação de um imunizante eficaz e a sua completa regulamenta, há um caminho bastante longo, onde a união de esforços governamentais e privados é imprescindível para evitar maiores danos à população.

Gostou de entender como ocorre o desenvolvimento das vacinas? Aproveite e leia também o artigo “Imunobiológicos: conservação de vacinas e os riscos inerentes“.

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Lucas Almeida

Cofundador e CRO da Nexxto

Trabalho todos os dias para ajudar o setor de saúde a ser mais digital e eficiente, possibilitando que mais pessoas no Brasil tenham acesso a serviços com qualidade e segurança.