Publicado em 17 novembro 2020 | Atualizado em 17 novembro 2020

Saúde 4.0 é um termo derivado de uma nova tendência no setor produtivo chamada indústria 4.0, que é baseada na tecnologia da informação e no trabalho colaborativo. O hospital pode se beneficiar dessa concepção, inclusive na gestão de suprimentos.

No passado, os objetivos da gestão de suprimentos se limitavam a manter o hospital bem abastecido. Na atualidade, a gestão de suprimentos tornou-se uma área estratégica, cujo investimento em tecnologias inovadoras se traduz em vantagem competitiva.

Os hospitais administram uma grande quantidade e variedade de materiais, medicamentos e equipamentos, que respondem por aproximadamente 30% das despesas hospitalares. O gasto com suprimentos só é superado pelo gasto com pessoal.

Evitar perdas e minimizar excessos é, portanto, palavra de ordem da gestão de suprimentos. A saúde 4.0 pode trazer soluções inovadoras para otimizar os processos de aquisição, armazenamento e distribuição que vão garantir a sobrevivência financeira dos hospitais.

Outra razão pela qual a gestão de suprimentos baseada no conceito de saúde 4.0 constitui um diferencial importante é devido à sua capacidade de agregar de valor para a atividade hospitalar.

Vale destacar que o objetivo do hospital é cuidar da saúde das pessoas e o serviço final não terá valor, a menos que esteja à disposição dos clientes no momento exato em que eles precisam.

Vejamos então, quais são os desafios da gestão de suprimentos e como as tecnologias podem colaborar para sua superação.

O maior desafio da gestão de suprimentos

No campo da saúde, certas demandas são regulares, porém algumas são mais difíceis de prever. Dada a característica do serviço hospitalar o consumo pode oscilar bastante, seja em função da raridade de determinadas condições clínicas, seja pela sazonalidade de outras.

Por um lado, o segmento da saúde se caracteriza pela baixa tolerância a faltas. A demora em atender uma demanda pode custar a vida de alguém. Além disso, a repercussão pode levar à perda de outros clientes.

Por outro lado, o estoque excessivo representa capital imobilizado, perdas e desvios. O maior desafio é, portanto, atingir o equilíbrio entre o mínimo investimento em estoques e o quantitativo suficiente para atender a todas as demandas.

O fornecimento ininterrupto depende de um acompanhamento rigoroso de todo o processo logístico. É neste cenário complexo que as tecnologias podem melhorar a eficiência da Gestão de Suprimentos, garantindo o abastecimento na medida certa, com segurança e qualidade.

Saúde 4.0: o caminho para a inovação da gestão de suprimentos

A saúde 4.0 integra diferentes atores da cadeia de valor por meio de tecnologias de informação. O compartilhamento de informações das áreas de produção e distribuição possibilita o trabalho colaborativo, atendendo as demandas de profissionais e pacientes com maior assertividade.

Esse modelo inovador de gestão de suprimentos pode ser aplicado às tecnologias médicas e aos medicamentos. Na saúde 4.0, os estoques são ajustados às necessidades em tempo real e as compras são rigorosamente planejadas, evitando atrasos ou quebras de fornecimento.

A indústria 4.0 propõe a produção ancorada na internet das coisas (sistemas que se comunicam e cooperam entre si). Do mesmo modo, incorpora esses princípios, fazendo uso de tecnologias como big data, inteligência artificial e prontuários eletrônicos.

O termo internet of things, traduzido como “Internet das Coisas” abre espaço para inúmeras possibilidades de monitoramento. A filosofia de IoT na saúde envolve a utilização de sensores vestíveis (wearables), que controlam parâmetros vitais e os transmitem em tempo real.

O mesmo princípio também pode ser usado para rastrear medicamentos e equipamentos médicos. Isso facilita sua localização e otimiza seu uso. O cruzamento de informações dos pacientes com os equipamentos disponíveis permite, por exemplo, melhorar a eficiência dos agendamentos.

O termo big data, por sua vez, representa a gestão de um conjunto de informações extraídas de um grande volume de dados. Dados sobre doenças, exames, internações, consumo de medicamentos, cirurgias etc. são usados em ferramentas de inteligência artificial.

A inteligência artificial pode ajudar na tomada de decisões, combinando algoritmos com dados. Ela também permite o envio de resultados dos exames e a emissão de alertas quando parâmetros pré-estabelecidos atingem níveis críticos ou quando ocorrem determinadas complicações clínicas.

Vejamos alguns exemplos de tecnologias introduzidas pela saúde 4.0, com aplicações específicas para a gestão de suprimentos.

Automação de processos

Atividades repetitivas, como o cadastro de produtos e a separação de itens podem ser automatizadas, liberando a equipe para outras tarefas. Para isso, os produtos precisam receber uma identificação que possa ser reconhecida pelo sistema informatizado em uso.

As formas de identificação mais comumente adotadas são os códigos de barras ou códigos bidimensionais do tipo Datamatrix. Instituições que têm condições de investir um pouco mais, podem adotar a Identificação por Rádio Frequência (RFID).

O custo maior da tecnologia RFID pode ser compensado pela possibilidade de realização de inventário automático de forma instantânea. Qualquer uma dessas três tecnologias de identificação melhora a rastreabilidade dos produtos e permite acompanhá-los desde o recebimento até consumo.

Os sistemas de identificação de suprimentos podem ser associados com alertas de validade e automatização de regras de estoque. Assim, os itens que vencem primeiro serão usados primeiro, evitando perdas por vencimento.

A adoção de tecnologias de identificação permite ir ainda mais longe, com a utilização de robôs. A robótica já está presente nas farmácias de alguns dos grandes complexos hospitalares do Brasil. Os robôs podem efetuar a separação dos medicamentos prescritos para cada paciente de forma personalizada, devidamente identificados com os dados do paciente e sua localização.

Prontuários eletrônicos e checagem beira leito

Os recursos de identificação podem, ainda, ser combinados com sistemas de Prontuário Eletrônico de Pacientes (PEP) e mecanismos de checagem beira leito.

Os prontuários eletrônicos são sistemas de registro médico digital padronizado, que armazenam todas as informações do paciente em um único lugar virtual. O compartilhamento em nuvem garante diagnósticos mais rápidos e efetivos e possibilita um atendimento integrado e multidisciplinar.

A checagem beira leito é a última possibilidade de barrar erros de medicação. Esse mecanismo digital confronta a identificação do medicamento com a identificação do paciente e sua respectiva prescrição. É mais uma garantia para a segurança do paciente.

Armários Inteligentes

A gestão de suprimentos também pode ser otimizada com armários inteligentes. O acesso ao produto se dá mediante uma senha de uso pessoal, onde o enfermeiro deve selecionar a prescrição do paciente e o medicamento ou material desejado.

O sistema de informação vinculado ao armário inteligente dá baixa do produto no estoque e o insere na conta do paciente. Além disso, o sistema permite identificar os responsáveis pelas retiradas e o seu destino, garantindo a rastreabilidade em toda a cadeia de suprimentos.

A combinação dos recursos de identificação com o uso de PEP, mecanismos de checagem beira leito e armários inteligentes pode diminuir sensivelmente a possibilidade de erros, perdas e desvios.

Em termos de gestão de suprimentos, a adoção da saúde dos princípios da saúde 4.0 aumenta a chance de fazer com que o produto certo chegue ao paciente certo em menos tempo.

Sistemas Integrados de Gestão Empresarial

Por último, destacamos a importância dos Sistemas integrados de gestão empresarial, mais conhecidos pela sigla em inglês ERP. O ERP conecta as áreas de compras, armazenagem, distribuição e consumo, possibilitando o acompanhamento dos produtos em tempo real.

Basicamente, o ERP se refere a um conjunto de sistemas de gerenciamento que integra dados das diversas áreas da organização. Os sistemas de informações conectam as atividades, combinando hardware e software para medir, controlar e gerenciar todas as operações logísticas.

Cada departamento pode continuar trabalhando com sistemas próprios. Com o ERP, no entanto, os departamentos conseguem acessar outros sistemas. Isso se dá através de uma interface única, que é compartilhada com toda a organização.

A disponibilidade de informações impacta diretamente na capacidade de tomar decisões, pois traz uma visão abrangente e atualizada. O ERP também confere mais eficiência aos processos, inclusive na gestão de suprimentos.

Através do ERP, o nível de estoque pode ser compartilhado com o setor de compras e o sistema pode ser parametrizado para emitir alertas de quando e quanto comprar. Ao planejar melhor as aquisições, evitam-se desperdícios e compras emergenciais.

Segundo levantamento realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados, a Anahp, com o uso de ERPs, os hospitais podem economizar em torno de 30% na aquisição de medicamentos e insumos.

Não existe um ERP ideal. Para sua escolha, considere a capacidade subsidiar as tomadas de decisões e a sua plasticidade, pois é o sistema que deve se adaptar a sua organização e não o contrário.

Os ganhos com a saúde 4.0

A adoção de mecanismos de inteligência artificial e sistemas automatizados não substitui pessoas por máquinas. Na verdade, a saúde 4.0 libera os profissionais de funções repetitivas e rotineiras para que possam se dedicar às atividades que agregam mais valor ao serviço prestado.

Dispositivos inteligentes interconectados coletam dados das rotinas diárias em tempo real. Sistemas automatizados e robôs podem apoiar as operações e realizar tarefas repetitivas em uma velocidade muito maior do que no processo manual e com muito menos chance de erro.

O impacto da saúde 4.0 pode ser percebido em diversas esferas. Obtém-se por exemplo, redução significativa do tempo médio de estoque, dos percentuais de ruptura de estoques e do volume de compras de urgência, além de reduzir os custos totais com suprimentos.

Esperamos ter demonstrado como as tecnologias inovadoras introduzidas pela saúde 4.0 proporcionam maior controle e eficiência para a Gestão de Suprimentos. Na verdade, os maiores beneficiados serão os pacientes, que poderão contar com serviços mais seguros e com melhor qualidade.

Então, por onde começar?

Não é preciso transformar sua organização da noite para o dia. Comece a implantação das inovações tecnológicas pelas áreas onde a liberação do capital humano agregará maior valor à sua operação, tornando-o diferenciado e mais competitivo.

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.