Publicado em 4 maio 2021 | Atualizado em 22 abril 2021

A pandemia do novo coronavírus desencadeou uma crise na saúde em nível global. Os primeiros casos surgiram no final de 2019 e, decorrido mais de um ano de enfrentamento, ainda não há data para superar a doença e suas consequências.

Além disso, a Covid-19 tem sido acompanhada de impactos negativos em diversas áreas, além da saúde pública. Dentre os exemplos, citamos a perda de empregos, o fechamento de empresas e o desabastecimento de insumos essenciais.

Diante de um cenário caótico, se torna extremamente difícil para as lideranças responderem à altura. Tal afirmação é corroborada pelo estudo realizado em abril de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Essa pesquisa envolveu empresas de diversas áreas, incluindo 7,7% de organizações do ramo da saúde. Segundo o estudo, 90,2% das lideranças acreditam que suas empresas não estavam preparadas para enfrentar uma crise dessa magnitude.

De fato, as características desta pandemia desencadearam uma sequência de eventos imprevisíveis, que progrediram com muita rapidez e resultaram em elevado grau de incerteza. Consequentemente, empresas se viram obrigadas a rever planos e redirecionar esforços para tentar superar as dificuldades.

Na verdade, o que os gestores precisam para enfrentar esta crise na saúde não é um plano de resposta pronto, mas sim o desenvolvimento de certas competências para lideranças tomarem decisões e responderem adequadamente frente a um cenário desconhecido.

Competências são uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes que um líder pode aplicar para conduzir sua equipe aos melhores resultados. Elas são, portanto, cruciais para enfrentar e sobreviver a uma crise na saúde como esta.

Antes de apresentar essas competências para lideranças, porém, vamos entender as diferenças entre risco e incerteza.

Risco e incerteza: entenda a diferença entre eles

Toda atividade possui riscos que podem ser estimados

O risco, na verdade, é a probabilidade de que um evento ocorra e afete os objetivos e processos da empresa. Inclusive, existem ameaças positivas, mais conhecidas como oportunidades. Entretanto, focaremos nos perigos negativos, que prejudicam a organização.

De modo geral, o perigo é inerente a qualquer atividade. Então, não existem instituições que consigam eliminar totalmente aquilo que as ameaça, embora seja sempre possível reduzir sua ocorrência ou minimizar seus impactos por meio da gestão de riscos.

Em suma, o risco é algo que cuja ocorrência ou chance de ocorrência pode ser estimada dentro de determinado segmento. Por isso, é possível traçar uma matriz e estabelecer um plano de gestão de riscos focado naqueles de maior impacto e probabilidade.

O economista Frank Knight foi pioneiro em distinguir a incerteza do risco. Para ele, o risco se refere a uma situação em que é possível determinar a probabilidade de obter certo resultado.

Já a incerteza, segundo Knight, se aplica às situações em que não é possível estabelecer sua probabilidade de ocorrência.

Não há como estimar a incerteza

Então, o problema da incerteza é que por não haver precedentes, não dá para estimar a probabilidade dos riscos negativos, nem tampouco quais serão seus impactos. Igualmente, não há um histórico de experiências de sucesso a serem seguidas.

Além disso, as consequências das eventuais soluções propostas para situações desconhecidas também não são passíveis de previsão.

A pandemia do SARS-COV 2, por exemplo, é um fenômeno novo, impossível de prever. Trata-se de uma nova doença, cujos impactos na saúde e nas organizações ainda não são completamente conhecidos.

Portanto, estamos lidando com um cenário de grande incerteza, embora uma pandemia seja um fenômeno provável, que já havia sido sinalizado pela Organização Mundial da Saúde. Além disso, toda empresa deve incluir certo grau de incerteza em seu planejamento.

A incerteza deve ser contemplada no plano de gestão de riscos

Toda organização deve formular um plano para administrar suas ameaças. A ANS define a gestão de riscos como um conjunto de ações direcionadas ao desenvolvimento, disseminação e implementação de metodologias de gerenciamento de riscos institucionais.

Seu objetivo, por sua vez, é apoiar a melhoria contínua de processos, projetos e alocação de recursos, contribuindo para alcançar as metas organizacionais. Para isso, é preciso investir em controles internos e medidas para prevenção de eventos negativos.

Adicionalmente, a gestão de riscos deve se basear nas melhores informações disponíveis. Por fim, o plano de gestão de risco precisa ser dinâmico, interativo e capaz de reagir rapidamente às mudanças de cenário.

Como sobreviver a esta crise na saúde?

Na verdade, a pandemia não resultou apenas em uma crise na saúde, pois seus efeitos são sentidos também em outras esferas. A Organização Mundial da Saúde chama atenção para a instabilidade econômica e social, que assevera desigualdades previamente existentes.

Diante de um desequilíbrio dessa proporção, gestores de saúde necessitam desenvolver novas competências para lideranças. Tais atributos devem impedir a paralisia e, ao mesmo tempo, prevenir reações exageradas ou precipitadas.

Na verdade, o primeiro passo para sobreviver a uma crise na saúde é reconhecer que se trata de um cenário de grande incerteza. Assim, o gestor não subestima a gravidade da situação, nem seus possíveis impactos imediatos e futuros.

Aceitando as incertezas

Nesse sentido, Grupo de pesquisadores da USP aponta que o caminho para atravessar uma jornada de alto nível de incerteza passa por três fases, a saber:

  • Fase 1 – reducionismo;
  • Fase 2 – experimentação pioneira fragmentada;
  • Fase 3 – abraçando as incertezas para superá-las.

Desse modo, na fase 1, alguns gestores tendem a negar ou minimizar o problema, desencadeando reações equivocadas ou mesmo a paralisia. Crenças e ideologias podem afetar sua capacidade de percepção e reação.

Consequentemente, a atitude do líder irá abalar a confiança da equipe sob a sua direção, gerando ainda mais incertezas.

Essa fase começa a ser superada quando alguns dirigentes percebem que se trata de um cenário desconhecido, sem precedentes. Diante disso, procuram entender a incerteza para poder mitigá-la e testam estratégias para lidar com o novo cenário.

Assim, começa a segunda fase, de experimentação fragmentada, onde algumas lideranças testam possíveis soluções. Entretanto, deve-se evitar prometer soluções definitivas ou sem base científica para não reforçar atitudes reducionistas, dentre aqueles que ainda negam a crise já instalada.

Por fim, na terceira fase, já existem conhecimentos e informações suficientes para reconhecer que nem o problema, nem as soluções são conhecidas, mas ainda assim o melhor é agir. Afinal, esperar pode custar ainda mais caro e produzir danos irreparáveis.

Na última fase, a comunicação deve ser aprimorada, evitando contradições que possam abalar a confiança. O líder deve também frisar o quanto a contribuição de cada membro da equipe é importante para a gestão de risco e superação da crise.

Quando gestores abraçam as incertezas, começam a enfrentar os impactos diretos e indiretos da pandemia de forma sistêmica. Além disso, as decisões precisam ser rápidas e revisadas de forma contínua, à medida que surgem novas informações.

Importância do trabalho em equipe

A gestão de risco em cenários caóticos de alto estresse pode ser facilitada com a criação de uma rede de equipes. Essa rede é, na verdade, um conjunto adaptável de grupos que trabalham juntos, sob um mesmo propósito.

Adicionalmente, recomenda-se a criação de um comitê de crise, que consiste em um grupo multidisciplinar com acesso a informações relevantes para tomar decisões de forma contínua e disciplinada. Esse Comitê deve propor soluções, colocá-las em prática e monitorar os resultados.

Ao instituir um comitê de crise, o gestor de saúde deve deixar claro quem decide e quem manda. Equipes assistenciais, por sua vez, devem acatar prontamente as decisões emanadas do comitê, assegurando o bom funcionamento desse modo de operação excepcional.

Por fim, o trabalho em equipe potencializa a capacidade de superação, mesmo quando o futuro é incerto. Assim, a empresa aumentará sua capacidade de responder às situações inesperadas e se tornará mais resiliente.

Competências para lideranças de saúde sobreviverem à crise no setor

Talvez a mais importante competência seja a “inteligência emocional”, que consiste numa capacidade permanente de adaptação para enfrentar imprevistos, de maneira equilibrada. Em resumo, o gestor de saúde deve desapegar-se de situações preocupantes e pensar com clareza sobre como enfrentá-las.

Na prática, dentre as competências para lideranças, a inteligência emocional implica em fazer pausas frequentes para avaliar situações adversas sob vários pontos de vista. Assim, é possível antecipar o que poderá acontecer para só então, agir.

Adicionalmente, o ciclo pausar-avaliar-antecipar-agir deve ser contínuo. Dessa forma, à medida que as informações são atualizadas, isso ajuda gestores de saúde a evitarem tanto o imobilismo, quanto às reações exageradas, que não contribuem no enfrentamento de incertezas.

Outra competência importante é o “otimismo contido”, que significa associar confiança e realismo visando a comunicação eficaz. Quando dirigentes reconhecem a incerteza, isso aumenta a confiança de que a equipe encontrará um caminho para superar a crise.

Mais duas competências para lideranças cruciais para tomarem decisões são: atualizar e duvidar. Tais aptidões permitem equilibrar dois impulsos discordantes: o de conceber soluções com base no que fizeram anteriormente e o de criarem soluções, sem aproveitar lições já aprendidas.

A empatia também é necessária, uma vez que ajuda a amenizar as tensões da equipe. O gestor de saúde precisa estar atento ao modo como as pessoas estão lidando com a situação e oferecer apoio adequado às diferentes demandas percebidas.

Por último, destacamos a comunicação eficaz, que evita silêncios prolongados que aumentem a insegurança da equipe. O tom correto é o da transparência, deixando claro o que sabe, o que não sabe e o que está fazendo para saber mais.

Enfim, a incerteza desta longa crise na saúde é angustiante, mas a adoção precoce das competências para lideranças aqui elencadas poderá instituir comportamentos que ajudarão sua equipe a superar a crise, mesmo que ela dure mais do que se imaginava.

Aproveito para convidar você a ler mais sobre análise de risco. Saiba como fazer a gestão na sua instituição de saúde.

h

Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.