Publicado em 28 abril 2020 | Atualizado em 23 junho 2020

Quando falamos em compliance na saúde estamos nos referindo às regras que devem ser aplicadas para que as atividades de gestão e assistência médica estejam em conformidade com a legislação vigente – o que inclui normas regulamentadoras e diretrizes estabelecidas pelos órgãos fiscalizadores. Além, é claro, das diretrizes internas determinadas por cada instituição de saúde.

Desse modo, a premissa desse modelo de gestão é agir de acordo com as políticas acordadas em cada área. No caso do compliance no setor de saúde, essa premissa está relacionada, principalmente, com a transparência nas relações com fornecedores – já que, infelizmente, a corrupção ultrapassa a esfera política e também está presente nos negócios em saúde – e na oferta de atendimento seguro e de alta qualidade ao paciente.

Trazendo um panorama mais abrangente do compliance na saúde brasileira, a estratégia de atuar a partir de uma série de conformidades éticas têm encontrado espaços cada vez maiores de aceitação e servido como destaque na gestão de importantes organizações, como é o caso do Grupo Sabin, uma das maiores referências em medicina diagnóstica do país e exemplo de sustentabilidade e inovação no setor de saúde.

Modelo norte-americano de compliance e as práticas brasileiras

Por ser um tema global, que vem sendo discutido há vários anos, muitos países já demonstraram sua preocupação acerca do assunto, e o Brasil foi uma das nações que passou a se inspirar nas práticas estadunidenses para desenvolver esse modelo de gestão baseado em ética e transparência.

Surgido nos Estados Unidos, o compliance na saúde teve seus primeiros passos na década de 1990 a partir do Health Insurance Portability and Acconuntability Act (HIPAA) – que traduzido para o português se refere à Lei de Portabilidade e Responsabilidade do Seguro de Saúde de 1996.

Mas foi através do Affordable Care Act (ACA), publicado pelo governo norte americano em 2010 e que tornou obrigatória a existência de um programa de compliance para prestadores de serviços médico-hospitalares e empresas farmacêuticas no país, que a ideia se consolidou.

No entanto, desde 1997 o programa de compliance dos EUA já conta com alguns conceitos estabelecidos pelo OIG (Department of Health and Human Services Office of Inspector General), que é responsável pela investigação de fraudes em programas de saúde conduzidos pelo governo norte-americano.

Porém, quando comparados à regulamentação de outros programas de compliance corporativo, dentro da área da saúde há uma tendência natural relacionada às práticas do compliance que direcionam o foco para as necessidades que o setor requer.

Pilares do compliance

Desse modo, seguindo os parâmetros do OIG, o compliance no setor da saúde dos EUA é baseado em sete pilares:

  • Implementação de políticas escritas de conformidade, procedimentos e padrões de conduta;
  • Definição de um compliance officer e um comitê de compliance, que serão responsáveis pelo monitoramento;
  • Orientação e condução treinamentos e educação eficazes sobre as políticas de conformidade, procedimentos e padrões de conduta;
  • Desenvolvimento de linhas de comunicação eficazes para permitir mecanismos de denúncia anônima;
  • Realização de monitoramento interno e auditorias periódicas;
  • Reforço dos padrões de conduta para os funcionários através de diretrizes disciplinares bem divulgadas;
  • Atenção e resposta imediata à detecção de ofensas e desenvolvimento de planos de ação corretiva.

Com base nessas premissas, o Brasil passou a adotar medidas semelhantes para traçar o caminho do compliance na saúde dentro do mercado nacional, adaptando suas realidades.

Foi assim que a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) mostrou um indício de como esse modelo deveria dar seus primeiros passos em território brasileiro, mesmo tratando apenas de práticas referentes ao relacionamento entre governo e fornecedores.

Por que esse modelo de gestão é importante no setor de saúde?

Aderir ao compliance não se trata apenas de mera adequação às leis e diretrizes, mas também de dar ênfase à sustentabilidade dos negócios, à ética e à segurança do paciente, garantindo a qualidade dos serviços e evitando danos financeiros que podem ser irreparáveis.

Para ilustrar o cenário, um estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) constatou que somente no ano de 2016 as fraudes envolvendo operadoras de plano de saúde e hospitais atingiram a marca de R$ 20 bilhões. Entre os atos de corrupção destacados no estudo estavam o superfaturamento de despesas e pacientes fantasmas.

Tudo isso pode gerar um prejuízo grande às instituições – para além do financeiro, o prejuízo moral.

Além do mais a população que já sofre com a precarização da saúde pública tende a ser atingida pela diminuição acentuada do acesso aos planos, uma vez que um dos fatores considerados para calcular os reajustes de mensalidade leva em conta o consumo dos serviços hospitalares.

Por isso, essa é uma demonstração clara da importância do compliance na área da saúde e porque ele é saudável para as instituições do setor: a partir da transparência e da geração de confiança, a demanda de acesso à saúde privada se torna maior, o que é extremamente positivo do ponto de vista econômico.

Compliance na saúde: como implementar?

Combater a má conduta organizacional requer o envolvimento de todos os envolvidos no processo, desde a alta gestão até o operacional. Só assim é possível garantir a efetividade do programa de compliance.

Portanto, não basta apenas colocar os planos no papel, é preciso estabelecer rotinas e criar condições para que os colaboradores, em todos os níveis, compreendam a importância das medidas e pratiquem as diretrizes continuamente.

Passo a passo

Porém, implementar esse conceito na saúde exige esforços conjuntos, e a base de medidas para essa iniciativa pode estar embasada nos pilares do modelo norte-americano, começando pelos seguintes passos:

  • mapear todos os riscos aos quais a instituição está submetida, com amplo conhecimento de leis e regulamentações;
  • implantar um código de ética e conduta por escrito, para nortear as ações dos colaboradores a partir das regras e conformidades descritas, como uma espécie de regimento interno;
  • investir em educação e treinamento, com a oferta de cursos e capacitações, que podem ser feitos dentro e fora da empresa, como palestras, workshops e seminários, onde a cultura da comunicação organizacional seja mais efetiva e clara;
  • facilitar os recursos de informação e comunicação, implementando um canal de denúncias anônimas, enfatizando a segurança na proteção da confidencialidade;
  • criar uma rotina de auditorias, como forma de complementar a governança e a aumentar a transparência dos processos, com o objetivo inicial de verificar se as atividades estão sendo realizadas conforme as diretrizes e regulamentos e, claro, poder verificar com mais rapidez o surgimento de irregularidades;
  • desenvolver planos de ação corretiva, para que as falhas sejam sanadas e não repetidas futuramente, com foco na cultura de melhoria contínua dos processos.

​​​​​​​Todas essas medidas devem servir não somente como regras, mas focando na integridade e no comportamento ético, que traz inúmeros benefícios para a instituição e todos aqueles que a integram, ampliando os níveis competitivos, criando maior engajamento e aumentando a conquista de talentos em todas as áreas.

Como a tecnologia auxilia o programa de compliance?

Apesar de parecer um tanto quanto teórico, o compliance na saúde requer uma série de ações práticas que podem ser beneficiadas com os avanços tecnológicos, cada vez mais presentes no setor.

Isso porque, ao implementar um modelo de gestão baseado em conformidades, alguns processos, quando automatizados, facilitam o desenvolvimento das ações e a comunicação entre instituição e fornecedores. Sistemas de ERP, que já são bastante utilizados, podem integrar outros recursos baseados em blockchain, Inteligência Artificial e IoT.

É fato que ainda é preciso evoluir, principalmente quando se trata de novas tecnologias. No entanto, são as soluções tecnológicas que, cada vez mais, tem modificado o comportamento dos pacientes, a conduta na relação médico-paciente, entre outros aspectos.

Por tudo é isso, se faz necessário o alinhamento das instituições de saúde com empresas healtchtechs para, juntas, elevar o padrão de assistência médica e gestão em saúde.

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Lucas Almeida

Cofundador e CRO da Nexxto

Trabalho todos os dias para ajudar o setor de saúde a ser mais digital e eficiente, possibilitando que mais pessoas no Brasil tenham acesso a serviços com qualidade e segurança.