Logo no início de dezembro, um assunto que gerou bastante discussão na área teve relação com a aprovação, por parte do Congresso Nacional, para o aumento do fundo eleitoral e cortes na saúde durante o relatório preliminar do Projeto de Lei Orçamentária 2020 da CMO (Comissão Mista de Orçamento).
Na prática, a medida permitiu que o Governo transferisse recursos de outras pastas de Ministérios para abastecer o fundo eleitoral, que que subiu de R$ 2 bilhões para R$ 3,8 bilhões. Para se ter uma ideia, esse novo teto é 120% maior do que os recursos públicos usados nas eleições de 2018, que ficou na faixa dos R$ 1,7 bilhão.
Nesses reajustes de recursos, as principais pastas prejudicadas refere-se à área da saúde e desenvolvimento social. Estima-se que, na pasta da saúde, foram transferidos por volta de R$ 500 milhões em recursos. Outra pasta bastante prejudicada com a nova medida foi a da Educação, que foi de R$ 280 milhões.
Mas o que é um fundo eleitoral?
Conhecido oficialmente como Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral é um fundo público abastecido com dinheiro do Tesouro Nacional e distribuído aos partidos políticos com o objetivo de auxiliá-los a financiar as campanhas eleitorais de seus candidatos.
Além do fundo eleitoral, os partidos também recebem dinheiro através do chamado fundo partidário, criado em 1995 como forma de auxiliar os partidos a arcar com despesas cotidianas, tais como contas de luz, água e salários.
Esse fundo, em específico, é formado tanto por dinheiro público quanto privado que, neste caso, vem de arrecadação de multas, penalidades pagas por partidos políticos, doações de pessoas físicas e um montante definido todo ano através da Lei Orçamentária.
Mas afinal, por que os custos com campanhas são tão elevados? Basicamente, muito dos gastos se deve ao fato do Brasil ser um país bastante extenso e, com isso, exigir dos candidatos recursos em campanhas na mídia e presenciais em boa parte dos estados para que ele seja lembrado na hora da votação.
Isso é bem sensível, por exemplo, entre futuros vereadores e deputados, que competem com diversos candidatos durante a corrida eleitoral. E foi pensando em como auxiliar os partidos nesses gastos que surgiu o fundo eleitoral.
Como foi criado?
O fundo eleitoral foi criado, em 2017, por meio da resolução da Lei nº 13.487 do Congresso Nacional. A medida foi de certa forma uma tentativa, por parte da iniciativa pública, de compensar os cortes de verba que os partidos políticos sofreram quando, dois anos antes, o STF proibiu que pessoas jurídicas fizessem doações para partidos e candidatos, “secando a principal fonte” de financiamento das campanhas eleitorais.
Se por um lado, a Lei tinha um intuito de balancear melhor a distribuição de repasses entre os partidos, por outro abriu margem para população questionar a validade desse repasse de dinheiro, principalmente considerando a discrepância na distribuição orçamentária entre os órgãos públicos, incluindo aqui a área da saúde.
A aprovação do aumento do fundo eleitoral
Até o ano passado, as regras de distribuição do TSE para o fundo eleitoral funcionou da seguinte maneira:
- 2% do valor total arrecadado foi dividido entre todos os partidos com registro no TSE;
- 35% desse momento é repartido entre os partidos que tenham ao menos um representante na Câmara dos Deputados;
- 48% é distribuído entre os partidos na proporção de suas bancadas na Câmara;
- e 15% é dividido entre os partidos na proporção de suas bancadas no Senado.
A partir dessa divisão, o fundo é distribuído entre partidos e também auxilia no abastecimento no fundo partidário de cada sigla. Além dessas regras de distribuição, existe ainda a chamada cláusula de barreira, que são critérios que justificam quais partidos são – ou não – beneficiados pelo fundo que irá abastecer o fundo partidário.
Nas eleições de 2018, as regras dessa barreira eram: os partidos precisavam ter atingido 1,5% dos votos válidos em no mínimo 1/3 das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.
A partir destes critérios, as eleições de 2018 contaram com um fundo de R% 1,7 bilhão de reais. No entanto, o montante representou pouco mais de um quinto do valor gasto na eleição anterior, de 2014, que foi de cerca de R$ 5 bilhões. Ou seja: a nova Lei não sanou o problema após o fim das doações de pessoas jurídicas.
Sendo assim, começou-se a discussão para o aumento do fundo eleitoral para dar conta das despesas de campanhas, sem que fossem necessárias as doações de pessoas jurídicas.
A partir desse entendimento que começaram as tentativas de aumentar esse valor para as eleições do ano que vem e, no fim das contas, o que estava previsto para se fechar em um aumento de R$ 2,5 bilhões foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro para subir R$ 1,8 bilhão do último valor aprovado.
Outra mudança, para além do aumento do fundo eleitoral, que aconteceu ainda este ano diz respeito à chamada cláusula de barreira, que estipula as regras de quais partidos são ou não beneficiados pelo fundo. Aprovada em setembro deste ano, essa minirreforma eleitoral prevê que o fundo partidário possa também ser usado para:
- impulsionar conteúdos na internet;
- comprar passagens aéreas para não afiliados;
- contratar advogados e contadores, sem que o valor seja contabilizado no limite de gastos estipulado pelo TSE.
O impacto do aumento do fundo eleitoral e cortes na saúde
Como dissemos, a aprovação desse aumento de 120% do fundo eleitoral representou cortes em algumas pastas dentro do Ministério, entre elas a da saúde que perdeu cerca de R$ 500 milhões em recursos.
Os cortes na saúde devem afetar, principalmente, o SUS. Um dos órgãos mais prejudicados com os novos cortes, por exemplo, foi o Fundo Nacional de Saúde que deve receber menos R$ 70 milhões para o Farmácia Popular, programa responsável por oferecer remédios gratuitos à população de baixa renda.
O enxugamento do teto na pasta também pode representar corte em mais da metade da verba prevista para realização de obras para garantir água e saneamento para cidades com menos de 50 mil habitantes e de 32% no dinheiro destinado a reformar hospitais universitários.
Tudo isso reflexo de outro corte, neste caso o do orçamento projetado para 2020, que foi reduzido em R$ 397,6 milhões do que a pasta poderá gastar com despesas para melhorias na área em âmbito nacional. Trata-se de mais uma fase nos constantes desafios na área da saúde.
E quais as consequência de cortes assim? Um estudo publicado no início do ano, no periódico internacional BMC Medicine, indica que cortes em áreas da saúde, principalmente em programas de assistência à saúde da família, podem levar a mais de 27 mil mortes evitáveis até 2030, o que representa um aumento de 5,8 % na mortalidade em comparação ao cenário que temos hoje.
E agora, como fica o setor de saúde?
Infelizmente, tudo indica que o aumento do fundo eleitoral e cortes na saúde serão uma realidade difícil de ser alterada. Sabemos que cortes na área da saúde não são novidades e quem se prejudica são justamente os que menos têm recursos para arcar com um tratamento de saúde de qualidade.
O relator do projeto do aumento de fundo eleitoral na Câmara, Domingos Neto, em entrevista recente à BBC Brasil, garantiu que a área saúde estará recebendo, de acordo com previsto para o orçamento de 2020, cerca de R$ 7 bilhões a mais (no relatório da Câmara) do que o governo propôs inicialmente.
Além disso, deixou claro que os cortes e o aumento do fundo eleitoral não irão “tirar verba de canto nenhum”.
No entanto, sabemos que a expectativa e a realidade costumam divergir, ainda mais quando se trata de um assunto tão delicado.
Por isso, o que nos cabe é continuar atentos a essas mudanças e reivindicar sempre que tivermos a chance para que possamos, enquanto empresas e profissionais da área da saúde, buscar melhores condições de trabalho com foco na humanização do atendimento e na melhor qualidade no cuidado ao paciente.