A pandemia provocada pelo novo coronavírus obrigou o mundo a rever as prioridades em saúde pública. Na verdade, o sinal de alerta para surtos e pandemias, já tinha começado muito antes disso.
Ao longo da história, nada matou mais seres humanos do que as infecções. Adicionalmente, é possível afirmar que o número de mortes provocadas por catástrofes naturais, como terremotos e erupções vulcânicas, e até mesmo guerras, é bem inferior.
A última pandemia que havíamos enfrentado antes da Covid-19 foi a gripe espanhola, em 1918. De lá para cá, matemáticos, sanitaristas, historiadores e outros estudiosos vêm sinalizando a possibilidade de surgirem novas doenças infecciosas de difícil controle.
Nesse sentido, em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde incluiu entre os 13 maiores desafios de saúde pública desta década o enfrentamento de pandemias. Segundo a OMS, o surgimento de um novo vírus respiratório altamente infeccioso era iminente.
Depois do surto de SARS em 2013, pesquisadores têm buscado modelos para prever o despontar de futuros surtos infecciosos. Estudo publicado na revista Nature, em 2019, pelo grupo de pesquisadores da Universidade de Boston, por exemplo, sugere a utilização de abordagens de modelagem dinâmica.
Enfim, nas palavras de Bryan Walsh, autor do livro End Times: a brief guide to the end of the world (ainda sem tradução para o português), não faltaram artigos e matérias alertando para uma nova doença respiratória. Uma pandemia global seria apenas uma questão de tempo.
O surgimento do novo coronavírus marca, então, o retorno de um velho inimigo da humanidade. Dessa forma, no dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde oficializou o início de uma pandemia.
Assim, nesta matéria, vamos refletir sobre os motivos pelos quais devemos estar sempre alertas e preparados para o surgimento de novas doenças infecciosas devastadoras.
Micro-organismos são assassinos em massa
Dois exemplos desses assassinos em massa são: a bactéria Yersinia pestis, responsável pela peste bubônica e o vírus Orthopoxvirus variolae, agente etiológico da varíola. A peste bubônica e a varíola dizimaram a população mundial em tempos passados.
A peste bubônica é transmitida por uma bactéria que vive em roedores e chega aos humanos através de suas pulgas. Esta peste matou cerca de 50 milhões de pessoas no século XIV, quando era conhecida como Peste Negra, em função das manchas escuras que deixava pelo corpo.
No Brasil, o último registro de peste bubônica em seres humanos é de 2005. Sabe-se, contudo, que a infecção persiste nos roedores silvestres e, portanto, deve ser considerada um “perigo em potencial”, embora seja de fácil diagnóstico e tratamento.
A história da varíola, por outro lado, teve um final mais feliz. A doença provocou a morte de 300 milhões de pessoas só no século XX. Em contrapartida, foi erradicada em 1980, devido a um esforço global para administrar meio bilhão de vacinas.
Nem sempre tivemos a mesma sorte. Em 1918, a gripe espanhola matou de 50 a 100 milhões de pessoas. Estranhamente, houve uma espécie de amnésia coletiva sobre essa pandemia de influenza e, por isso, alguns historiadores a chamam de “a gripe esquecida”.
Inclusive, o esquecimento de infecções devastadoras parece ser um fenômeno que se repete. Ao contrário de atentados terroristas, guerras e terremotos, pandemias são pouco lembradas. Também faltam monumentos e datas dedicadas para refrescar nossa memória sobre os seus efeitos devastadores.
Adicionalmente, merecem destaque os altos índices de AIDS e doenças antigas como a herpes e a hepatite que ainda causam tantos prejuízos.
Por fim, citamos os surtos recentes de SARS e MERS, vírus da mesma família do coronavírus, que foi descoberto no final de 2019 e protagoniza a pandemia atual.
Uma pandemia pode matar mais do que uma guerra mundial
A pandemia da Covid-19 já se prolonga por mais de um ano. Com isso, reafirma o imenso poder de destruição dos micro-organismos, que é desproporcional ao seu tamanho.
Para ter ideia da dimensão do problema com o qual estamos lidando, saiba que, no dia 20 de janeiro de 2021, o número de mortos pela Covid-19 nos Estados Unidos já ultrapassou o número de mortos na II Guerra Mundial.
Saiba por que as infecções são tão devastadoras
Os micro-organismos se espalham muito mais rápido do que outras ameaças. Armas de fogo atingem apenas quem está em sua trajetória. Outro exemplo são os desastres naturais, que ficam restritos a uma área territorial. Entenda por que isso acontece.
Em primeiro lugar, nosso modo de vida tem contribuído para espalhar infecções. Viajar mais rápido facilitou muito nossa vida, mas também deu aos patógenos a capacidade de percorrer o globo em poucas horas, junto com seu hospedeiro.
Em segundo lugar, é preciso lembrar que vírus e bactérias estão entre os primeiros habitantes do planeta. Ou seja, estão aqui há mais de 3 bilhões de anos, tendo sobrevivido aos piores desastres naturais que já extinguiram outros seres vivos.
Sua sobrevivência pode ser explicada pela elevada capacidade de multiplicação e alta taxa de mutações. As modificações do material genético são aleatórias, mas, eventualmente, resultam em vantagem num ambiente hostil, gerando vários descendentes com essa mesma característica.
A alta taxa de mutação também explica o surgimento das superbactérias, resistentes a todos os antibióticos disponíveis. Isso justifica, ainda, a dificuldade de desenvolver uma vacina contra a AIDS, que é causada por um retrovírus que sofre mutações com frequência.
Por fim, a alta capacidade de mutação explica também o surgimento de doenças novas, como a Covid-19. O SARS-COV2 é a sétima espécie de coronavírus, originária de animais silvestres, que se tornou capaz de infectar a espécie humana.
Os outros dois coronavírus que causaram epidemias são: o vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS), que matou cerca de 800 pessoas entre 2002 e 2003 e o da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), responsável por 858 mortes desde 2014.
Felizmente, as outras quatro espécies de coronavírus que infectam o ser humano não causam infecções graves. Mesmo assim, devemos intensificar o monitoramento de vírus emergentes de animais silvestres.
Os avanços no combate às infecções
Curiosamente, a primeira vacina foi mero aprimoramento de um método tradicional de proteção contra a varíola, praticado pelas camponesas turcas. Na verdade, essa vacina surgiu antes que a relação entre os micro-organismos e as doenças infecciosas tivesse sido compreendida.
Nada se sabia sobre o sistema imunológico ao final do século XVIII, quando Edward Jenner apresentou seus resultados. Em contrapartida, a vacina deu tão certo que a varíola ainda é a única doença erradicada graças a uma vacina até hoje.
No século seguinte, Louis Pasteur e Robert Koch comprovaram que os micro-organismos se propagam e podem causar infecções. Em seguida, inspirado nos trabalhos desses pioneiros, Joseph Lister desenvolveu um método de assepsia que revolucionou as cirurgias e evitou muitas mortes.
Pouco depois, Paul Ehrlich iniciou sua busca pela “Bala Mágica”. Na verdade, ele buscava substâncias que pudessem eliminar os micro-organismos, sem causar danos ao organismo humano. Infelizmente, as substâncias testadas por Erlich eram muito tóxicas e não obteve êxito.
Essa ideia da bala mágica foi retomada por Alexander Fleming, quando isolou uma substância do fungo Penicillium, que era capaz de matar vários tipos de bactérias que infectavam o ser humano. A substância, então, foi batizada de penicilina.
Durante a Segunda Guerra Mundial a penicilina passou a ser produzida em escala industrial. Em seguida, surgiram outros antibióticos que, associados com a melhoria das condições sanitárias, resultaram em um grande salto na expectativa de vida mundial.
Por que pandemias ainda ameaçam a humanidade?
Apesar dos avanços, os vírus e bactérias não foram totalmente eliminados. Adicionalmente, a emergência da SARS, MERS, Zika e AIDS são provas contundentes de que houve um crescimento assustador de surtos e epidemias nas últimas décadas.
Existem várias razões para esse aumento. Uma delas é o crescimento populacional, potencializado pelas aglomerações urbanas. Essa proximidade aumenta a interação e, consequentemente, a possibilidade de transmissão de doenças.
O maior contato com animais domésticos e a invasão do espaço dos animais silvestres também aumentam as chances de um micróbio presente nesses animais sofrer mutações e tornar-se capaz de infectar a espécie humana.
Acrescente ainda, o papel das mudanças climáticas na disseminação de vetores como o mosquito Aedes aegypti, que é responsável pela transmissão da dengue, febre amarela, Zika e Chikungunya.
Por último, citamos o movimento anti vacinas. Em consequência, está ocorrendo o ressurgimento de doenças que já estavam controladas, tais como o sarampo e a poliomielite.
O que podemos esperar do novo coronavírus?
Foram identificadas mais de 800 cepas do Sars-CoV-2 no mundo. A tendência, do ponto de vista evolutivo, é que essas variantes sejam mais infecciosas e menos letais.
Não se sabe, porém, o impacto que isso terá sobre as vacinas baseadas na estrutura dos vírus circulantes há um ano. Resta-nos então, esperar que o coronavírus não seja como o vírus da influenza.
O vírus da gripe possui alta taxa de mutação, tornando necessária a aplicação de uma vacina nova contra influenza a cada ano.
Pandemias: como nos preparar para o futuro
A pandemia do novo coronavírus tomou conta do mundo em poucos meses e a resposta foi, ao mesmo tempo, avançada e antiquada.
O desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19 ocorreu em tempo recorde. Por outro lado, as únicas medidas para conter a disseminação do vírus foram as mesmas usadas contra a gripe espanhola: quarentena e isolamento.
A emergência de uma nova pandemia era esperada e, portanto, também deveriam ter sido antecipadas respostas à altura. Enfim, a questão atual não é se vamos enfrentar outras pandemias, mas se estaremos melhor preparados para as próximas.
Precisamos aprimorar nossa capacidade de detectar potenciais vírus desencadeadores de pandemias, pois sempre surgirão novas espécies. Desse modo, conseguiremos adotar providências mais precoces e assertivas para combatê-los.
Além disso, precisamos rever prioridades e investir mais em pesquisas. Milhões são gastos para se proteger contra atentados terroristas, embora o ataque de um vírus letal seja muito mais mortal, sem contar o prejuízo econômico e social.
Por último, merece destaque a necessidade de estruturar o sistema de saúde e prepará-lo para que possa expandir rapidamente sua capacidade de enfrentar novas pandemias.
Avalie de que forma sua organização pode gerenciar esse risco!
Confira também a matéria sobre Gestão de suprimentos em tempos de pandemia.
