Há algum tempo já se discute a reforma tributária brasileira. Em setembro de 2020, o governo federal apresentou uma proposta que, se aprovada, afetará significativamente o setor de saúde.
A principal preocupação das empresas do setor é a substituição dos tributos PIS/Pasep e Cofins por um tributo único. Esse novo imposto é chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Porém, essa troca levará ao aumento da cobrança de impostos sobre planos de saúde, hospitais privados e clínicas de diagnóstico.
De acordo com um estudo da consultoria LCA para a Confederação Nacional de Saúde sobre o Projeto de Lei 3887/20, o aumento da carga tributária dos planos de saúde seria de 131% a partir da reforma. O custo dos hospitais, por exemplo, aumentaria em 7,4%. Para os convênios médicos, essa elevação seria de 5,2%.
Consequentemente, com uma carga tributária maior, as instituições acabarão por repassar os valores aos convênios. Na prática, significa que o paciente que utiliza a rede privada também pagará mais.
Reforma tributária: o que diz a PEC 45?
Atualmente, tramitam duas Propostas de Emenda Constitucional para a reforma tributária no Brasil. São elas: PEC 110/2019, no Senado Federal e PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados. Ambas propõem a simplificação da tributação sobre produção e comercialização de bens e prestação de serviços.
Com a nova proposta, essa base tributável seria consolidada em dois novos impostos:
- o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que seria aplicado conforme os modelos de impostos sobre valor agregado, que são cobrados na maioria dos países desenvolvidos;
- um imposto específico que incide apenas sobre alguns bens e serviços, chamado Imposto Seletivo.
No caso do IBS, a PEC 45 propõe a substituição de cinco tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS. Nesse caso, uma sub-alíquota seria fixada por cada ente federativo (município, estado e União). Seria formada, então, uma alíquota única aplicada a todos os bens e serviços consumidos.
Contudo, um dos principais pontos de debate da reforma tributária com relação ao imposto único é a ausência da concessão de benefício fiscal. Para alguns setores, como é o caso dos serviços de saúde, isso traria um reflexo bastante negativo.
Mesmo havendo uma ampla defesa em relação ao IBS, que melhoraria as condições de concorrência entre empresas e daria mais transparência à tributação, essa substituição pode trazer prejuízos à sociedade. Especialmente para a classe média, que ainda depende muito do acesso à saúde suplementar.
O motivo principal dessa preocupação é que, atualmente, a alíquota de imposto do setor de serviços é de 3,65% no regime cumulativo. Com a reforma tributária, esse valor passaria para 12%. O que praticamente quadruplica o que é pago hoje.
Por isso, entidades representativas estão discutindo a essa mudança a fim de evitar que essa simplificação traga um aumento tão expressivo da alíquota de impostos.
Como a mudança no sistema tributário impacta o setor de saúde?
O setor de saúde se enquadra na categoria de serviços. Atualmente ele é tributável de acordo com o regime cumulativo, que abrange os seguintes impostos:
- 2% de Imposto Sobre Serviços (ISS);
- 0,65% do Programa de Integração Social (PIS);
- 3% de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Se aprovado o texto atual da reforma, PIS e Cofins serão substituídos pelo IBS, que terá alíquota fixa de 12%.
Para a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), a implementação de um imposto único e muito superior à alíquota atual terá grande impacto sobre o setor de saúde. Principalmente porque prejudicaria o acesso de milhões de brasileiros à rede privada.
Por esse motivo, representantes de entidades como Anahp e Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) pleiteiam a isenção do IBS. Ou mesmo dos encargos que incidem sobre a folha de pagamentos, que são de 20% atualmente.
Esse pedido surge diante do fato de que o setor de saúde brasileiro possui a maior carga tributária do mundo, em comparação aos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Principalmente no ano de 2020, em que a pandemia do coronavírus trouxe uma grave crise para a economia mundial, podemos observar que o setor de saúde suplementar caminha na contramão dos demais.
Afinal, a necessidade de maiores investimentos para atender a demanda de leitos foi de encontro com a diminuição dos gastos da população por conta da baixa procura pelos serviços inicialmente.
Além disso, com tantas demissões geradas pela crise econômica, também houve queda na arrecadação por parte dos planos de saúde. Percebe-se, portanto, que uma carga tributária maior acarretará em problemas sérios. Entre eles a contratação de profissionais, investimento em infraestrutura e até o desenvolvimento de pesquisas.
Acesso mais restrito à saúde suplementar
Não é novidade que a maioria dos brasileiros depende do atendimento na rede pública de saúde, através do SUS. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que somente 28,5% da população brasileira têm acesso a algum plano de saúde privado.
E como o aumento da alíquota incide sobre hospitais, clínicas e laboratórios, haverá um encarecimento desses serviços. Portanto, a aprovação da reforma nos moldes atuais tornará o acesso da população a esses serviços ainda mais restrito.
Assim, é fácil perceber que o impacto da reforma tributária no setor de saúde não ficará condicionado à rede privada. Consequentemente, com a falta de recursos para utilizar os serviços de saúde privados, haverá um aumento substancial da demanda do SUS, que já é enorme.
Impacto na medicina diagnóstica
Cerca de 70% de todos os exames realizados no Brasil é feito através do setor de saúde privada. Além disso, a medicina diagnóstica também é responsável por empregar diretamente mais de 2 milhões de profissionais.
Um estudo feito pela Abramed mostra que o modelo proposto para a reforma tributária resultará em cerca de 40% de acréscimo na carga de impostos de clínicas e laboratórios. Para as empresas do setor, esse aumento pode significar a inviabilidade dos serviços. Principalmente em regiões menos desenvolvidas, onde o acesso à saúde suplementar é ainda mais difícil.
Tal mudança pode resultar, entre outros problemas, na demissão de milhares de pessoas. Contudo, caso houvesse uma desoneração na folha de pagamento – cerca de 50% das despesas de laboratórios e clínicas são com as contratações – seria possível que a reforma tributária trouxesse algum benefício para essas empresas do setor de saúde, especificamente.
À medida que a medicina diagnóstica no Brasil tende a buscar um alinhamento às boas práticas internacionais, é necessário um incentivo ao investimento em inovação e tecnologia. Porém, os resultados trazidos pela pandemia somados à reforma tributária causarão um impacto negativo substancial, tanto para as empresas quanto para a população.
Desse modo, é preciso que o Poder Legislativo se empenhe em ajustar a proposta a fim de garantir sobrevivência dessas instituições. Afinal, tais serviços são essenciais para a população e contribuem também para o setor de saúde pública.
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