O Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou em 2013 duas resoluções que impactam o trabalho do farmacêutico: a RDC 585 e a RDC 586. Com elas, a regulamentação de atribuições clínicas – incluindo o atendimento ao paciente no ambiente hospitalar –, e da prescrição de medicamentos por farmacêuticos amplia a atuação desses profissionais.
Nesse sentido, o mercado de trabalho para os farmacêuticos vai muito além do balcão da farmácia. Ainda que ali sua presença seja exigida por lei. Porém, a legislação prevê cerca de 130 especialidades relacionadas à profissão, já definidas pela RDC 572/2013.
Um exemplo prático das atribuições do farmacêutico é a gestão da farmácia hospitalar. No entanto, a partir da RDC 585, ficou nítida a importância desse trabalho para além do gerenciamento de medicamentos.
Desse modo, a presença do farmacêutico em outros setores de um hospital garante maior eficácia do tratamento. Isso é possível através de ações de aconselhamento farmacêutico em consultas e alta hospitalar, por exemplo. Portanto, através do atendimento clínico junto ao paciente, há uma série de benefícios para todas as partes envolvidas.
Para a instituição, uma atuação além da farmácia hospitalar pode representar maior racionalidade quanto ao uso de medicamentos. Ao passo que reduz custos e torna a gestão dos recursos mais eficiente.
Vejamos a seguir aspectos mais detalhados das RDCs 585 e 586. Assim, mostrando como o farmacêutico pode enfrentar os desafios da carreira e compreender melhor suas funções.
RDC 585: atribuições clínicas do farmacêutico
A filosofia do Pharmaceutical Care teve início na década de 1960, no âmbito hospitalar estadunidense. A partir desse conceito, a prática pode ser desenvolvida em hospitais, unidades de pronto atendimento (UPA), ambulatórios, home care e instituições de cuidados permanentes (como asilos, por exemplo).
Ao passo que o crescimento de comorbidades e mortalidade relacionadas a doenças não transmissíveis e à farmacoterapia exigiu dos sistemas de saúde uma nova postura de atendimento, surgiu também a necessidade de um novo perfil do farmacêutico.
Um exemplo disso é o número de hospitalizações por medicamentos no Brasil. Somente no ano de 2013, foram 48 milhões de atendimentos de urgência e 11 milhões de internações. Entre as principais causas estão:
- uso incorreto do medicamento;
- falta de efetividade terapêutica;
- erros de medicação;
- medicamentos desnecessários;
- falta de comunicação da equipe;
- falhas no monitoramento do paciente e acompanhamento do tratamento;
- eventos adversos a medicamentos.
Diante de números alarmantes, imediatamente a legislação precisou se adequar. Com a RDC 585, o Brasil passou a atribuir novas práticas aos farmacêuticos, ampliando sua atuação no setor de saúde.
Quais as competências definidas pelo CFF na RDC 585?
Antes de falar sobre atribuições, é necessário entender que elas se diferenciam de atividades e serviços. Essa diferenciação consta na própria RDC 585, a fim de delimitar o propósito da resolução.
Nesse sentido, podemos afirmar que os serviços prestados pelo farmacêutico são o conjunto das atividades técnicas realizadas. E tais atividades encontram sua base legal na definição das competências.
Mas quando falamos em atribuições clínicas, o conjunto de serviços e atividades embasados a partir daí ultrapassam o ambiente da farmácia. De acordo com a resolução, essas atribuições estão centradas no paciente, e não apenas na farmacologia.
Vejamos alguns exemplos definidos na resolução do CFF:
Emissão de parecer técnico
Um dos artigos da RDC 585 trata das intervenções farmacêuticas e emissão de parecer técnico. De acordo com a resolução, o farmacêutico se habilita a sugerir uma abordagem farmacoterápica a outros profissionais da equipe de saúde. E, até mesmo, a desprescrição do medicamento em uso.
Tudo isso, obviamente, é feito através de embasamento técnico e desenvolvimento de abordagens que permitam uma tomada de decisão precisa. O interesse é sempre o de maximizar os benefícios e minimizar os possíveis danos causados pelo tratamento.
Farmacovigilância
Prevenir, identificar, avaliar e intervir nos incidentes relacionados aos medicamentos e a outros problemas relacionados à farmacoterapia. Aqui, a resolução traz práticas de relacionada à farmacovigilância. Aliás, este é um ponto importante com relação aos erros de medicação atribuídos à equipe de saúde.
Portanto, conceder ao farmacêutico essa atribuição, torna possível a redução dos problemas relacionados à administração e preparo de medicamentos. Isso porque, ao estar inserido numa equipe multidisciplinar, a detecção de erros logo no início ou meio do processo facilita a intervenção e correção de falhas.
Solicitação e avaliação de exames
Outro ponto importante da RDC 585 é a solicitação de exames laboratoriais, além da avaliação dos exames solicitados por outros profissionais. A finalidade dessa prerrogativa é acompanhar e monitorar do tratamento medicamentoso.
Quanto à avaliar os resultados clínico-laboratoriais, essa atividade é vista como instrumento eficiente para individualização da farmacoterapia.
Comunicação e educação em saúde
Além das atribuições da farmácia hospitalar, o farmacêutico também está apto a trabalhar a comunicação e a educação em saúde. Através de processos adequados, incluindo o uso dos meios de comunicação de massa, o profissional deve criar habilidades de comunicação interpessoal com toda a equipe de saúde.
E, a partir desse ponto, fornecer informações e orientação quanto ao uso racional de medicamentos. Essa é uma das tarefas mais importantes, afinal, é o farmacêutico quem possui um conhecimento mais profundo sobre fármacos.
Ou seja, a orientação sobre os perigos da automedicação é parte das atividades de educação em saúde que a RDC 585 atribui ao farmacêutico. Com intervenções informativas, é possível levar ao paciente, familiares ou cuidador a conscientização sobre a terapêutica.
Para ter acesso às atribuições definidas pelo CFF na íntegra, clique aqui.
Prescrição de medicamentos: o que diz a RDC 586?
Apesar da RDC 585 citar a prescrição de medicamentos como competência do farmacêutico, o tema se aprofunda na RDC 586.
Publicada também em 2013, essa resolução cria um novo aspecto em torno da atividade profissional. Desse modo, o objetivo é resolver a problemática do paciente, percorrendo todo o processo de medicação, mesmo que limitadamente.
Ao mesmo tempo, a prescrição de medicamentos pelo farmacêutico não se resume a receitar por escrito um fármaco e indicar a posologia. É preciso entender a condição do paciente, ouvir sua queixa e avaliar qual a melhor terapêutica para cada caso.
E para que o serviço seja prestado com a devida confidencialidade, a RDC 586 propiciou a criação de consultórios farmacêuticos para que os profissionais possam exercer essa atividade em espaços adequados.
Conforme expresso na resolução, o processo que envolve a prescrição de medicamentos pelo farmacêutica consta das seguintes etapas:
- identificação das necessidades do paciente (queixas);
- definição do objetivo terapêutico;
- seleção da terapia ou intervenção farmacológica com base na segurança, eficácia, custo e conveniência, dentro do plano de cuidados em saúde;
- redação da prescrição;
- orientação ao paciente;
- avaliação dos resultados;
- documentação de todo o processo de prescrição.
A colaboração entre farmacêuticos e médicos nessa etapa do atendimento é recomendada por diversas organizações nacionais e internacionais. Entre elas estão a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde.
Em suma, as evidências na redução do desperdício de medicamentos nas instituições hospitalares e também da automedicação sustentam a eficácia desse trabalho.
Uso racional de medicamentos: como a tecnologia pode auxiliar o farmacêutico?
O uso racional de medicamentos não se trata apenas da prescrição correta ao paciente ou de banir a automedicação. Dentro da farmácia hospitalar, as condições corretas de armazenamento evitam desperdícios significativos.
Além disso, a gestão desse processo também é uma atribuição do farmacêutico. E é dele que devem partir as ações preventivas e corretivas.
Nesse sentido, sistemas de prontuário online, ERPs e de monitoramento de temperatura online são alguns exemplos de como a tecnologia pode facilitar o trabalho desse profissional.
Desafios da profissão: como o farmacêutico pode ampliar sua atuação?
A partir da publicação da RDC 585 e da RDC 586, o CFF concedeu ao farmacêutico uma extensa gama de oportunidades profissionais. Com isso, é possível ampliar sua atuação e desenvolver habilidades de gestão e atendimento clínico.
Porém, os desafios da profissão são inúmeros, e passam pela necessidade de mudança interna das instituições. Estas devem se adequar às atribuições clínicas do farmacêutico, tornando-o parte da equipe de atendimento multidisciplinar. Em contrapartida, o profissional deve se manter atualizado e com os esforços centrados na prática clínica.
Assim, os benefícios dessa prerrogativa demonstram um amplo alcance. Afinal, o conhecimento e a habilidade técnica do farmacêutico clínico contribuem para melhorar o atendimento e experiência do paciente.
E como consequência, há um aprimoramento dos serviços, especialmente em relação ao gerenciamento de medicamentos, o que se transforma em uso eficiente dos recursos.