Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o desafio global de Medicamentos Sem Danos. Sua meta é reduzir em 50% os eventos adversos graves, decorrentes de erros de medicação, nos próximos cinco anos.
Na verdade, esse é o terceiro desafio global proposto pela OMS, como parte do Desafio pela Segurança do Paciente. Anteriormente, foi lançado o desafio Cuidado Limpo é Cuidado Seguro (2005) e o desafio Cirurgia Segura Salva Vidas (2008).
O desafio global de Medicamentos sem Danos está direcionado para uma das maiores fraquezas dos sistemas de saúde: os erros de medicação. Tais eventos provocam uma morte por dia e prejudicam aproximadamente 1,3 milhões de pessoas anualmente nos Estados Unidos.
Além disso, o custo global dos erros de medicação foi estimado em US $42 bilhões ao ano, representando 1% do gasto com saúde. Adicionalmente, países em desenvolvimento carecem de estatísticas precisas, porém há indícios que os danos causados sejam ainda maiores.
Por outro lado, de acordo com a filosofia da segurança do paciente, os erros de medicação podem ser evitados. Grande parte desses eventos adversos podem ser prevenidos pela reorganização dos sistemas de saúde e implementação de boas práticas de cuidado.
A maioria dos erros de medicação provém de falhas nos sistemas e na forma como são organizados e coordenados. Nesse contexto, profissionais da saúde e pacientes podem cometer erros durante o processo de indicação, prescrição, dispensação, preparo, administração ou consumo.
Para mudar esse cenário, é preciso assumir que o erro é inerente à condição humana e reconhecer que é passível de prevenção. O desafio global, portanto, é buscar estratégias para evitar erros de medicação e/ou minimizar sua frequência e impacto.
O objetivo deste conteúdo é apresentar as principais diretrizes propostas pela OMS para que a meta de redução de erros de medicação pela metade possa ser alcançada até 2022.
Conheça os objetivos do desafio global pelos Medicamentos Sem Danos
O objetivo geral do desafio global da OMS pelos Medicamentos Sem Danos é aprimorar cada etapa do ciclo de utilização de medicamentos. Ou seja, o desafio inclui ações voltadas à indicação, prescrição, dispensação, administração, monitoramento e uso de medicamentos.
Nesse sentido, a OMS propôs uma série de diretrizes e ferramentas para fortalecer os sistemas de saúde e diminuir os danos relacionados ao uso inadequado de medicamentos. O desafio global inclui cinco objetivos específicos, a saber:
- ACESSO ao escopo e à natureza dos danos evitáveis e fortalecimento dos sistemas de monitoramento para detecção e acompanhamento dos danos.
- CRIAÇÃO de uma estrutura focada nos pacientes, profissionais de saúde e membros do governo, proporcionando melhoria das práticas de prescrição, preparo, dispensação, administração e monitoramento.
- DESENVOLVIMENTO de guias, materiais, tecnologias e ferramentas para dar suporte aos sistemas de utilização de medicamentos para reduzir os erros de medicação.
- ENGAJAMENTO das partes interessadas, parceiros e fabricantes para aumentar o nível de consciência e proatividade sobre a questão da segurança do paciente.
- MPODERAMENTO dos pacientes, famílias e cuidadores para que se engajem no tratamento e participem ativamente das decisões relacionadas ao seu cuidado e tratamento. Estimulá-los a fazerem perguntas, apontar erros de medicação e manejar efetivamente sua terapia medicamentosa.
Todos estes objetivos giram em torno de uma estrutura estratégica, que foi desenvolvida especificamente para este desafio global.
Estrutura estratégica do desafio global pelos Medicamentos sem Danos
A Estrutura Estratégica do Desafio Global pelos Medicamentos Sem Danos contém quatro domínios: (1) pacientes e o público; (2) profissionais de saúde, (3) medicamentos e sistemas; e (4) práticas de medicação. Cada domínio, por sua vez, é dividido em quatro subdomínios.
Por último, no centro do diagrama, estão as três áreas prioritárias de ação – polifarmácia, situações de alto risco e transição de cuidados. Estas áreas são relevantes para cada um dos quatro domínios e, por isso, ocupam a região central da estrutura.
Confira o diagrama oficial da estrutura estratégica do desafio pelos Medicamentos sem Danos, na figura reproduzida a seguir:
Fonte: WHO, 2017
Na sequência, conheça cada um desses domínios do desafio global e suas respectivas áreas de atuação.
Os quatro domínios do desafio global pelos Medicamentos Sem Danos
- Pacientes e o público em geral: normalmente, pessoas leigas são passivas em relação ao seu tratamento medicamentoso. Frequentemente, são meras executoras de “ordens” e não participam do processo de segurança do paciente.
- Medicamentos: Suas embalagens podem conter pouca informação ou, ainda, instruções confusas. Sem contar os nomes ou rótulos parecidos, que podem induzir a troca de medicamentos.
- Profissionais da saúde: algumas vezes prescrevem, preparam e administram medicamentos em condições ou circunstâncias que aumentam o risco de dano aos pacientes.
- Sistemas e Práticas de Medicação: podem ser desnecessariamente complexos ou disfuncionais. Em contrário, deveriam ser desenhados de forma mais amigável, introduzindo barreiras para que os erros de medicação não cheguem ao paciente.
As três áreas prioritárias de atuação do desafio global
Situações de alto risco
As situações de alto risco são aquelas em que o impacto dos erros de medicação é maior. Nesses casos, o risco aumentado pode estar relacionado à maior gravidade dos quadros clínicos e/ou ao uso de regimes medicamentosos mais complexos.
Assim, pacientes internados têm maior risco do que pacientes ambulatoriais. Crianças menores de dois anos, idosos, portadores de insuficiência hepática ou renal são mais suscetíveis a erros de medicação envolvendo dose, via de administração ou falha de monitoramento.
Felizmente, existem várias ferramentas tecnológicas para auxiliar os profissionais, sobretudo na utilização dos chamados medicamentos de alto risco. Tais ferramentas também podem melhorar o nível de conhecimento sobre esses produtos, rumo à meta de Medicamentos sem Danos.
Polifarmácia
Polifarmácia é o uso rotineiro e concomitante de quatro ou mais medicamentos por um paciente. Esse fenômeno aumentou juntamente com a elevação da expectativa de vida, que resultou em maior número de pessoas convivendo com várias doenças crônicas.
O problema é que a polifarmácia aumenta as chances de desenvolvimento de efeitos colaterais e interações medicamentosas e dificulta a adesão ao tratamento. Dessa forma, é preciso adotar estratégias para reduzir os riscos e maximizar os benefícios da farmacoterapia adotada.
Dentre as estratégias de ação, merece destaque a adoção de protocolos padronizados para as prescrições iniciais e as revisões periódicas de tratamento. Além disso, os pacientes podem colaborar se tiverem acesso à informação e tecnologias auxiliares para tomada de decisões.
Transição de cuidado
A transição de cuidado ocorre quando o paciente é transferido de unidade, setor ou equipe. Tais momentos aumentam a possibilidade de falhas na comunicação que, por sua vez, podem desencadear erros de medicação com graves consequências para o paciente.
Em suma, a boa comunicação é fundamental para o cuidado seguro, incluindo a reconciliação medicamentosa (comparação de medicamentos prescritos antes e após a assistência). Destaca-se também a participação dos pacientes, mantendo consigo uma lista atualizada dos medicamentos em uso.
Os cinco passos para atingir as metas do desafio global pelos Medicamentos sem Danos
O caminho indicado pela OMS para atingir a meta redução dos erros de medicação em 50% nos próximos anos é o seguinte:
- Adotar medidas precoces para proteger pacientes de danos originários de: situações de alto risco, polifarmácia e transição de cuidado.
- Reunir especialistas, líderes e profissionais para produzir diretrizes e planos de ação para cada domínio da estrutura estratégica.
- Implementar mecanismos para aumentar o nível de conhecimento dos pacientes sobre seu tratamento medicamentoso. Isso inclui ferramentas tecnológicas onde o paciente adote um papel ativo no manejo de sua terapia.
- Designar uma coordenação nacional para difundir o Desafio Global pelos Medicamentos Sem Danos.
- Acompanhar o progresso periodicamente.
Esses cinco passos dependem de liderança política, compromisso e apoio de todas as partes envolvidas no sistema de saúde. Adicionalmente, para fomentar essa mudança, a ação global da OMS pretende:
- Criar diretrizes e desenvolver estratégias, planos e ferramentas para assegurar que o processo de medicamento incorpore a segurança como sua essência, em todos os serviços de saúde;
- Fortalecer os recursos humanos, desenvolvendo a liderança e construindo novas habilidades;
- Melhorar a qualidade de monitoramento de dados;
- Promover e apoiar pesquisa na área de segurança do paciente;
- Buscar formas de melhorar as embalagens e rótulos dos medicamentos, em conjunto com as agências regulatórias e outros atores internacionais, visando à segurança do paciente;
- Desenvolver mecanismos de engajamento e empoderamento dos pacientes para que possam manejar seu tratamento medicamentoso com mais segurança.
Participe do desafio global pelos Medicamentos Sem Danos
A Organização Mundial da Saúde convoca os serviços de saúde a apostarem nos Medicamentos sem Danos, investindo nos quatro domínios apresentados. A redução sustentada da gravidade de danos evitáveis dependerá do grau de comprometimento das lideranças locais.
Erros de medicação têm múltiplas origens, incluindo fadiga, sobrecarga de trabalho, falta de treinamento e falhas na comunicação. O caminho para o cuidado seguro, entretanto, é um só: modificar a cultura organizacional e investir na revisão dos processos de cuidado.
Nesse sentido, sabendo que os erros de medicação são evitáveis, podem-se introduzir barreiras para impedir que cheguem ao paciente. Com isso, aumentam as chances dos pacientes certos receberem o medicamento certo, na dose certa, pela via certa e no momento certo.
Enfim, zelar pelos Medicamentos sem Danos produz impactos positivos na qualidade do cuidado. Para aceitar este desafio global proposto pela OMS priorize as ações direcionadas às situações de alto risco, transições de cuidado e polifarmácia.
O primeiro passo é o planejamento: De que forma essas ações podem ser implementadas na sua organização? Pense nisso!
Aproveite para conhecer também os seis Protocolos do Programa Nacional de Segurança do Paciente.