Publicado em 12 novembro 2020 | Atualizado em 3 novembro 2020

O desenvolvimento de novos medicamentos é um processo longo, rigoroso e caro, cercado de riscos e incertezas. Antes que um novo medicamento chegue até as prateleiras do mercado, é preciso cumprir uma série de exigências técnicas, éticas e regulatórias.

O desenvolvimento de um novo medicamento leva em torno de 10 a 15 anos e o custo para desenvolver uma única droga nova gira em torno de U$ 1,5 bilhões.

Tudo começa com a chamada pesquisa pré-clínica, que inclui uma série de testes in vitro, culturas de células e animais. Só depois que esta etapa foi cumprida com sucesso, podem iniciar os ensaios em humanos, por meio da chamada pesquisa clínica.

Vamos conhecer mais detalhes desse processo.

Pesquisa Pré-Clínica

Antes da pesquisa pré-clínica, é preciso encontrar uma molécula com potencial para tratar/curar doenças. A busca faz uso das tecnologias de modelagem molecular.

A modelagem molecular se baseia no paradigma da “chave-fechadura”. Essas “fechaduras” são receptores celulares, capazes de reconhecer determinadas moléculas, que são as “chaves”.

A ligação da molécula ao seu receptor, desencadeia uma resposta biológica. Recursos de informática da modelagem molecular permitem estabelecer requisitos estruturais para que o “encaixe” entre o fármaco (chave) e o sítio receptor (fechadura) ocorra.

Sendo assim, o desafio é como produzir as moléculas planejadas. Será preciso encontrar algo parecido na natureza, que possa ser facilmente convertido na molécula idealizada, por meio da síntese farmacêutica.

A nova molécula será submetida a uma bateria de testes in vitro ou em culturas de células. Este é o início da pesquisa pré-clínica, visando simular as reações do candidato a novo medicamento no organismo vivo.

Existe pressão social para reduzir o uso de animais, porém testes in vivo são necessários para garantir a segurança. A avaliação da toxicidade em três espécies de animais, incluindo um não roedor é pré-requisito para iniciar as pesquisas em humanos.

De cada 1.000 substâncias submetidas à pesquisa pré-clínica, aproximadamente 10 seguirão para a pesquisa clínica. A pesquisa pré-clínica é um caminho árido e os frutos são escassos. Geralmente, a pesquisa pré-clínica fica restrita às universidades e fundações.

Pesquisa Clínica: afinal, quais são os preparativos?

A pesquisa clínica exige grandes investimentos, prevalecendo a indústria farmacêutica nesta etapa. Os testes devem atender às Boas Práticas Clínicas, conhecidas pela sigla GCP (do termo em inglês Good Clinical Practices).

Em 1996, a Conferência Internacional de Harmonização (ICH) publicou padrões para União Europeia, Japão e Estados Unidos. No mesmo ano, foram publicadas GCPs para os países do Mercosul e em 2005, a Organização Pan-Americana de Saúde publicou o Documento de Boas Práticas Clínicas das Américas.

Adicionalmente, pesquisas clínicas desenvolvidas no Brasil devem atender às exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) locais.

Vale destacar que o desenvolvimento de novos medicamentos deve atender não apenas critérios científicos, mas também requisitos éticos, incluindo:

  • Balanço de riscos e benefícios favorável;
  • Relevância social;
  • Consentimento livre e esclarecido dos participantes;

Após a aprovação do CEP, inicia-se o recrutamento dos voluntários para a realização dos ensaios. Sendo assim, os resultados são cuidadosamente registrados e analisados por uma equipe de profissionais especializados. Ao final, é feita a divulgação no meio científico.

Para isso, cada projeto de pesquisa clínica requer planejamento detalhado, que vai desde o levantamento de resultados da pesquisa pré-clínica. E que, justifiquem a realização da pesquisa em humanos, passando pela definição dos objetivos, da metodologia, da infraestrutura e a obtenção de patrocínio.

Fases da Pesquisa Clínica

A pesquisa clínica é dividida em quatro fases (figura 1):

fases pesquisa pré clinica

Vejamos mais detalhes de cada uma dessas fases:

Estudo Fase 1

Esta é a primeira fase em que o novo medicamento será testado em humanos. Geralmente, envolve pequeno grupo de voluntários saudáveis, com o objetivo primário de estabelecer a segurança do produto.

A finalidade principal é avaliar a toxicidade. Os efeitos colaterais podem incluir desde reações leves, como dor de cabeça, ou mais graves, como insuficiência renal.

Os estudos de fase 1 também procuram compreender como o medicamento é absorvido, distribuído e eliminado (perfil farmacocinético) e qual é o seu mecanismo de ação (perfil farmacodinâmico).

Portanto, a fase 1 costuma ser concluída em poucos meses. Caso os efeitos colaterais forem considerados leves, reversíveis e/ou facilmente controláveis, podem ser conduzidos estudos com pacientes (fase 2).

Estudo Fase 2

A fase 2 pode durar de alguns meses até dois anos. É recrutado pequeno grupo de voluntários afetados pela doença ou condição para a qual o novo medicamento está sendo testado.

A segurança continua sendo monitorada em todas as fases, mas o foco principal da fase 2 é avaliar o quanto o novo medicamento é eficaz contra a doença alvo.

Procura-se estabelecer também a relação dose-resposta, testando-se várias doses para definir a posologia ideal. Ou seja, a dose capaz de oferecer o máximo benefício e causar os menores danos possíveis (efeitos colaterais).

Estudo Fase 3

A terceira fase tem como objetivo obter aprovação do novo medicamento junto às agências regulatórias. Para isso, é necessário testá-lo em número maior e estatisticamente significativo de voluntários doentes e acompanhá-los durante período mais longo (de 2 a 4 anos).

Todos os participantes devem ser portadores da doença ou condição para a qual o medicamento foi desenvolvido, com o objetivo de estabelecer a segurança e eficácia a curto e longo prazo.

Na fase 3, são avaliadas as reações adversas e sua relação com fatores do paciente. Observam-se as variações de resposta em função do sexo, idade, raça, uso concomitante de álcool ou consumo de outros medicamentos.

Caso os estudos comprovem a eficácia e segurança, o laboratório pode dar entrada na petição de registro de novo medicamento. Somente com o aval da Anvisa, o fabricante poderá produzir e comercializar o novo produto.

Importante esclarecer que produtos inovadores são patenteáveis. A patente confere exclusividade na comercialização durante determinado tempo. A proteção da propriedade intelectual pode ser considerada um efeito colateral necessário para uma atividade que exige investimentos elevados, mas possui também altos riscos.

A constatação de ineficácia ou toxicidade em qualquer fase da pesquisa clínica levará ao abandono da droga. Assim, a possibilidade de explorar comercialmente sua descoberta é uma forma de incentivar as empresas a investirem em algo tão arriscado.

A ciência é dinâmica e incerta. Depois de liberado para comercialização, podem surgir situações de risco que não foram detectadas durante os ensaios controlados. Portanto, o novo medicamento deve continuar a ser observado de perto, com as pesquisas de fase 4.

Estudo Fase 4

Esta etapa inclui todos os estudos conduzidos após o registro e lançamento no mercado. São denominados de estudos pós comercialização e incluem milhares de pessoas que fazem uso do medicamento em condições reais, não controladas.

Na fase 4 é que se pode constatar a verdadeira eficácia e segurança, frente ao cenário real de utilização do novo medicamento. Vale lembrar que estas pesquisas exigem o mesmo rigor ético e científico das fases anteriores.

Na fase 4, incluem-se estudos de farmacoepidemiologia, farmacovigilância e bioequivalência:

  • A farmacoepidemiologia se dedica aos estudos de utilização de medicamentos. Inclui estudos de marketing, distribuição, prescrição, consumo e consequências médicas, sociais e econômicas da utilização em larga escala.
  • A farmacovigilância se dedica a ampliar o conhecimento sobre a segurança e a eficácia do produto. Dentre os objetivos desses estudos destaca-se a detecção de efeitos adversos previamente desconhecidos ou incompletamente qualificados, assim como os fatores de risco relacionados.
  • A bioequivalência é o termo utilizado para avaliar a equivalência biológica esperada in vivo de dois medicamentos de laboratórios diferentes, mas que possuem a mesma composição.

desenvolvimento novos medicamentos

Sobre o registro de medicamentos

Para ser comercializado no Brasil, o medicamento deve ter sua qualidade, segurança e eficácia terapêutica atestadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Normalmente, o prazo de resposta é de 365 dias, mas medicamentos considerados prioritários tramitam em até 120 dias.

Petições priorizadas pela Anvisa incluem, por exemplo, vacinas a serem incorporados no Programa Nacional de Imunizações. Para saber mais sobre as medidas especificamente destinadas a acelerar a produção da vacina contra a Covid-19, acesse o site da Anvisa.

Hospitais na Pesquisa Clínica: desafios e possibilidades

Os hospitais reúnem grande contingente de pacientes com os mais variados problemas de saúde, o que lhes confere enorme potencial para o desenvolvimento de pesquisas clínicas.

Para realizar pesquisas clínicas, o hospital precisa de pessoal qualificado e infraestrutura que permita o monitoramento dos pacientes submetidos à droga experimental. Além disso, deve atender às Boas Práticas de Pesquisa e respeitar as diretrizes éticas.

Além de propor suas próprias pesquisas, é possível estabelecer parcerias com universidades, centros de pesquisa e a indústria farmacêutica. As parcerias podem ser realizadas com organizações nacionais ou estrangeiras, visando a transferência de tecnologias.

Por um lado, a pesquisa clínica exige elevados investimentos, mas por outro, traz grandes retornos. Além de beneficiar a sociedade, instituições engajadas na pesquisa tendem a se modernizar, melhorando seus padrões de qualidade e valorizando sua equipe.

O Brasil possui profissionais capacitados. Com ampliação dos incentivos governamentais, poderemos nos destacar no ranking internacional. Adicionalmente, o Estado pode incentivar/financiar pesquisas para solucionar questões de saúde relevantes, mas que não são atrativas para a indústria farmacêutica.

Enfim, procuramos demonstrar que a pesquisa clínica oferece um amplo leque de possibilidades. Os hospitais não só podem, como devem ser protagonistas desse processo, trazendo novas alternativas terapêuticas, aperfeiçoando os serviços de saúde e propiciando avanços sociais.

E você, já pensou como sua organização pode contribuir? Aproveite e confira as boas práticas para dispensação de medicamentos!

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.