Publicado em 21 setembro 2021 | Atualizado em 24 setembro 2021

O erro de identificação do paciente pode desencadear uma sequência de falhas em cadeia. Isso inclui a administração de medicamentos, realização de exames, transfusões de sangue e até cirurgias em pessoas trocadas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, um em cada 300 pacientes sofrerá danos decorrentes de eventos adversos evitáveis. Além disso, os erros no cuidado à saúde representam a 14ª causa de morbimortalidade no mundo.

À medida que o cuidado de saúde evoluiu, aumentou não só sua efetividade, mas também seu potencial de causar danos. Nesse sentido, o erro de identificação leva à troca de pacientes e pode resultar em sequelas e mortes.

Para ter ideia da dimensão do problema, saiba que só nos Estados Unidos, cerca de 850 pacientes por ano são transfundidos com sangue destinado a outras pessoas e aproximadamente 3% delas evoluem para óbito.

Nesse contexto, a identificação dos pacientes é considerada o primeiro passo para a assistência segura. Tal afirmação é corroborada por especialistas, que indicam reduções significativas na ocorrência de erros, após a implementação de um protocolo para isso.

Porque o erro de identificação é uma prioridade em segurança

De acordo com o ECRI Institute PSO, organização norte-americana dedicada à segurança em saúde, existem muitas razões para tratarmos os erros de identificação do paciente como prioridade no cuidado.

A principal delas é que os erros de identificação podem ocorrer em qualquer momento do cuidado, em qualquer nível de assistência e nenhum profissional está isento de cometê-los. Em contrapartida, assim como podem atingir qualquer um, também são evitáveis.

Adicionalmente, quase todos os erros de identificação afetam, pelo menos, duas pessoas. Por exemplo, quando um paciente recebe a medicação destinada a outro, ambos podem ser prejudicados.

Enfim, são tantas as implicações do erro de identificação do paciente, que esta etapa do cuidado faz parte das diretrizes da Joint Commission, líder global em qualidade e segurança em saúde, desde 2003.

A identificação do paciente é um protocolo básico de segurança

A identificação do paciente é um dos seis protocolos básicos do Programa Nacional de Segurança do Paciente, instituído pela Portaria MS/GM nº 529/2013. Além disso, é respaldada pela resolução RDC ANVISA nº 36/2013.

Fatores como: estado de consciência, mudanças de leito, setor ou prestador de assistência podem aumentar o risco de troca. Em contrapartida, o protocolo de identificação do paciente visa garantir a entrega dos cuidados à pessoa pretendida.

Assim, o protocolo serve para evitar que alguém deixe de receber a devida assistência ou, em contrário, que o seu tratamento seja fornecido a outra pessoa.

A identificação do paciente de forma adequada, por sua vez, depende de tecnologias e pessoal comprometido com a segurança. Então, vamos conhecer algumas medidas efetivas para colocar tal protocolo em prática.

Três intervenções efetivas para identificação do paciente

O protocolo nacional de identificação do paciente estabeleceu três pontos críticos de intervenção, a saber:

  • A identificação do paciente propriamente dita;
  • A educação em saúde;
  • A confirmação da identificação.

Primeiramente, é preciso garantir que todos a serem atendidos sejam identificados desde sua admissão. Para isso, coloca-se uma pulseira no paciente, contendo, pelo menos, dois identificadores previamente definidos pela instituição.

Nesse sentido, o nome completo e a data de nascimento são os identificadores mais utilizados. Já a localização (quarto/leito) não é recomendada, devido ao risco de transferência.

A segunda medida diz respeito à educação em saúde, que transforma o doente em agente ativo do próprio cuidado. Assim, cabe aos profissionais da saúde explicar ao paciente, seus familiares e cuidadores o propósito da pulseira de identificação.

Geralmente, a pulseira costuma ser bem aceita, quando se compreende o motivo de sua utilização. Além disso, o paciente passa a colaborar para sua eficácia, exigindo que os dois identificadores sejam conferidos, antes de qualquer procedimento.

Finalmente, a terceira intervenção é justamente confirmar a sua identificação em todas as etapas do cuidado. Isso inclui a verificação nas prescrições, pedidos de exames, dietas, medicamentos, hemocomponentes e antes da realização de quaisquer intervenções, sobretudo as mais invasivas.

Vale destacar que é inadequado perguntar : “você é o Sr. Fulano?”, pois a pessoa pode não compreender e concordar por engano. O correto é indagar quais são os dois identificadores e confrontá-los com a pulseira de identificação.

Além destas três ações, cabe à equipe de cuidado zelar pela integridade dos identificadores. Dessa forma, periodicamente, é preciso inspecionar os rótulos dos medicamentos, as placas afixadas no leito e as pulseiras dos pacientes, substituindo-os, quando necessário.

Medidas adicionais de segurança do paciente baseadas em tecnologia

A Joint Commission, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, desenvolveu um informativo com estratégias para melhorar a identificação do paciente. Uma de suas recomendações é a incorporação de tecnologias para diminuir a possibilidade de troca de doentes.

Alguns exemplos são o uso de código de barras, a biometria e a identificação por radiofreqüência. Além disso, dispositivos de checagem beira leito permitem confirmar se procedimentos ou medicamentos estão destinados a determinada pessoa, no ato da administração.

Para além da tecnologia em si, é preciso capacitar a equipe para utilizá-la e incorporá-la em sua rotina de trabalho. Dessa forma, os identificadores deverão ser checados junto ao paciente, antes de qualquer intervenção.

Por outro lado, o uso de tecnologias não elimina a necessidade de checagem humana. Inclusive, erros de sistemas informatizados podem ser facilmente replicados, mascarando erros de identificação do paciente.

Adicionalmente, deve-se assegurar a confidencialidade e privacidade das informações pessoais de quem está sendo assistido. Dados sensíveis, portanto, devem ser tratados para que somente profissionais autorizados tenham acesso a eles.

O que fazer e o que não fazer para garantir a identificação do paciente

O ECRI Institute PSO elaborou recomendações para que o protocolo de identificação do paciente seja implantado de forma efetiva. O instituto destaca, ainda, aquelas ações que não devem ser realizadas para evitar erros nesse sentido.

O que deve ser feito:

  • Aplique todas as técnicas de identificação previstas no protocolo;
  • Adote medidas adicionais para evitar a troca de pacientes, quando houver nomes parecidos na mesma unidade;
  • Registre os identificadores de forma clara, nas pulseiras de identificação do paciente, nas prescrições, nos resultados de exames e em todas as demais solicitações e documentos do prontuário médico;
  • Minimize possíveis distrações durante a checagem dos identificadores. Ou seja, interrompa outras tarefas e faça uma coisa de cada vez;
  • Ofereça orientação em linguagem clara e acessível. Caso a pessoa atendida possua limitação de audição ou visão, providencie meios de adequados para comunicar-se com ela;
  • Notifique o Núcleo de Segurança do Paciente, caso observe desvios do protocolo de identificação. Mesmo que isso não leve ao erro (near miss), ainda assim, merece ser trabalhado institucionalmente para que não se transforme em erro futuramente;
  • Encoraje os pacientes a participarem ativamente do processo de identificação. Oriente-os, inclusive, a questionar os profissionais, caso estes não confirmem os identificadores de sua pulseira antes de algum procedimento.

O que não deve ser feito:

  • Não use a localização ou o diagnóstico como identificador do paciente. Além de ser comum a mudança de leitos/unidades, chamar as pessoas pelo nome é uma forma de humanizar o cuidado;
  • Nunca assuma que o paciente irá corrigi-lo, se você pronunciar seu nome errado. Ele pode estar confuso ou assustado, ou nem sequer perceber esse equívoco;
  • Nunca coloque pessoas com nomes parecidos (na grafia ou no som) no mesmo quarto. Isso é um convite para o erro;
  • Não permita e não pratique desvios do protocolo de identificação institucional. Não presuma que não vai errar, respeite sempre as normas.

A identificação do paciente pode ser continuamente melhorada

Por fim, o “erro zero” é uma meta a ser perseguida, como parte do processo da melhoria contínua da qualidade. Dessa forma, deve ser estabelecido um ciclo de planejamento, execução, monitoramento e correção do protocolo de identificação do paciente, conhecido como PDCA (figura 1).

Ciclo PDCA

Figura 1 – Ciclo PDCA: plan (planejar), do (agir), check (Monitorar), act (ações corretivas).
Fonte: imagem criada pelo autor, usando SmartArt/Office

Nesse sentido, as instituições devem planejar a melhor forma de imprimir e afixar as pulseiras de identificação nos pacientes, assegurando-se que a letra seja legível e que as etiquetas sejam duráveis.

O planejamento deve incluir, ainda, a capacitação de toda a equipe envolvida, começando pela recepção, que é normalmente a porta de entrada do paciente. Esse processo envolve uma mudança cultural, desmistificando a ideia de que a checagem dos identificadores é uma repetição desnecessária.

Uma vez realizado o treinamento, é preciso executar o protocolo, pode-se escolher uma unidade piloto e implantá-la gradativamente. Em seguida, podem ser realizadas auditorias internas para monitorar se a prática corresponde ao que foi definido institucionalmente.

O monitoramento é uma competência do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP). Nesse sentido, o Ministério da Saúde recomenda, minimamente, o acompanhamento dos seguintes indicadores:

  • Número de eventos adversos devido a falhas na identificação do paciente;
  • Proporção de pacientes com pulseiras padronizadas entre as pessoas atendidas nas instituições de saúde.

Tais indicadores, por sua vez, nortearão o que é preciso corrigir para minimizar os eventos adversos e aumentar a segurança dos processos. Desse modo, fecha-se o ciclo de melhoria contínua, que pode ser “rodado” quantas vezes forem necessárias.

Para concluir, reflita: Sua instituição já possui um protocolo de identificação de pacientes? Como ele pode ser melhorado? Afinal, a segurança é um desafio permanente na saúde!

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Márcia Rodriguez Vásquez Pauferro

Farmacêutica Hospitalar

Farmacêutica formada pela USP, especialista em Farmácia Hospitalar e Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, Mestre em Bioética.